domingo, 21 de junho de 2020

PARABÉNS SÃO PAULO

A satisfação e orgulho em ser paulistano são inefáveis, pois foi nesta maravilhosa cidade onde tudo aconteceu.
      Do meu nascimento no distante ano de 1955 onde através de mãos habilidosas da minha querida avó Maria que era parteira foi quando ecoou o primeiro choro no querido bairro da Vila Maria Alta.
      Os bairros por onde nossa família morou foram vários, mas resumidamente guardo em meu coração o querido bairro da Cidade A.E. Carvalho, na zona leste da cidade de São Paulo.
      Morávamos numa casa humilde com apenas três cômodos e não existia muro, pois naquela época a violência era bem menor que hoje.
      A minha adolescência foi repleta de felicidade neste querido bairro, desde a primeira namoradinha até completar os dezoito anos e ir morar no interior.
      O primeiro emprego de Office boy conseguido com tanto esforço no centro de Sampa, os lotadíssimos ônibus da CMTC, os bailinhos da Vila Ré, O Centro Educacional da Mooca e o mágico barulho dos trens que passavam pertinho de casa apitando e levando os trabalhadores com suas marmitas para os mais diversos lugares da grande metrópole são recordações que devo a querida Sampa.
      Mas São Paulo foi à cidade que me projetou para o mundo, deu-me confiança e habilidade de encarar qualquer situação adversa com muita naturalidade e se hoje encaro qualquer situação e as resolvo com muita facilidade, devo isto à querida cidade de São Paulo.
      As alegrias e sucessos constantes adquiridos nesta cidade são suficientes para dizer com muito carinho: Muito obrigado São Paulo por ser minha companheira durante os vários anos em que estivemos juntos e jamais me esquecerei dos maravilhosos momentos vividos ao seu lado. Te amo Sampa! Parabéns!

SÁBADO NO CLUBE

A Felicidade às vezes resume-se em alguns minutos que marcam tanto nossa memória que jamais esquecemos. Eu era garoto, tinha 15 anos de idade, trabalhava como office boy numa Companhia de Seguros no centro de São Paulo e nos finais de semana adorava ir a um clube na Mooca, chamado Centro Educacional da Mooca. Lá a diversão era garantida pelo complexo de três enormes piscinas que proporcionavam a alegria de tantos garotos e garotas dos bairros da periferia.
      Aos sábados, levantava-me bem cedinho, tomava um demorado banho, alimentava-me com deliciosas rabanadas preparadas por mamãe, colocava meu short jeans, camiseta regata, chinelo havaiana e seguia assobiando até o ponto de ônibus mais próximo de casa.
      O Sol enchendo o dia de alegria penetrava pelas janelas do coletivo dando sinais que o dia seria maravilhoso. Descia na Av. Radial Leste, passava na banca de jornal e comprava uma revista chamada “POP” e o jornal O Pasquim e seguia alegremente até o clube da Mooca.
      O bom dia ao porteiro era espontâneo e carregado de “Muito Obrigado por existir aquele clube maravilhoso”.
      Sentava-me nas macias e confortáveis poltronas de uma enorme sala de descanso, folheava a revista POP e encantava-me com fotos de praias maravilhosas, lugares encantadores e hippies andando pelo Mundo. Viajava nas páginas e ficava imaginando a alegria daqueles fotógrafos, jornalistas em fazer uma viagem tão linda.
      O tempo ia passando e as pessoas iam vagarosamente chegando ao clube, porque sábado era e ainda é um dia propício para dar espaço para a alma e fazer tudo com mais calma.
      Às vezes quando estava lendo um artigo da revista ou do Jornal, ficava tão compenetrado que esquecia que estava num clube e só ouvia os cantos dos pássaros saudando o dia maravilhoso.
      De tanto frequentar o clube, consegui uma namoradinha chamada Rebeca, a mesma morava na periferia e frequentava o clube assiduamente todos os finais de semana.
      A beleza de Rebeca era indescritível, era morena, cabelos longos, olhos verdes e adorava ler; a leitura foi um bom começo para o inicio do nosso singelo relacionamento.
      Sempre que Rebeca chegava ao clube, entrava sorrateiramente e sentava-se ao meu lado, às vezes nem percebia a presença da garota, mas o perfume que ela usava invadia meu olfato e denunciava sua presença e ela dizia calmamente:
-  Nossa, este artigo que você está lendo deve ser muito bom, pois nem percebeu minha presença!
Um pouco envergonhado, levantava-me e dava um carinhoso beijo na sua face e pedia mil desculpas pela distração. Ela sorria, abraçava-me e íamos tomar um delicioso café na cantina do clube.
       Lá pelas 10 horas entrávamos na piscina e ficávamos apreciando o que existia de mais encantador: O Sábado, a piscina e o lindo sorriso da minha querida namoradinha chamada Rebeca.

DATILOGRAFIA

 
Hoje olhando para o teclado do computador  fico maravilhado com as mudanças ocorridas nos últimos... ”deixa eu pensar” trinta anos, é exatamente por ai.   Lá pela década de 70  lembro-me que quando completávamos  treze  anos  nossos  pais  começavam a procurar uma escola de datilografia, que geralmente localizava-se nos bairros em que morávamos. Naquela época todos os bairros tinham uma escolinha de datilografia, onde recebiam os alunos carinhosamente para o aprendizado que eles levariam para uma vida inteira.
Comigo não foi diferente, logo aos treze anos minha mãe conseguiu matricular-me numa escola de datilografia que ficava no bairro onde morávamos. Era uma escola muito singela, com umas três máquinas Remington em cima de algumas mesinhas carcomidas pelo tempo, algumas folhas de papel sulfite e um professor magrelo com umas folhas amareladas que rapidamente colocou-as ao lado da máquina e passou a dar-me as primeiras instruções: colocar a folha na máquina, fazer as primeiras tabulações e orientar-me quando as duras teclas que deveriam ser apertadas sequencialmente imprimindo a mesma força para todos os dedos.
Meio atrapalhado e sempre observando a habilidade do professor magrelo, ficava imaginando onde alguém poderia aproveitar um datilógrafo medíocre como eu.
Mas eu não esmorecia e todo o dia lá estava eu, suando em bicas  a apertar as duras teclas da velha máquina de escrever Remington, até que num determinado dia disseram que eu já estava preparado para ser um datilógrafo. Ri muito e não acreditei,  cheguei com meu diplominha e coloquei na gaveta do guarda-roupa e fiquei pacientemente aguardando uma oportunidade de mostrar toda a minha habilidade de datilógrafo que tinha aprendido com o professor “caveirinha”.
   Não demorou muito e comecei a trabalhar numa Cia. De seguros e aí toda a minha habilidade fora demonstrada com grande habilidade e muitas folhas caídas pelo chão, até tornar-me um exímio datilógrafo e desafiar algumas empresas em querer trabalhar por produção.
   Mas isto aconteceu faz muito tempo e muitos jovens de hoje jamais têm a noção o que é uma máquina de escrever e não sabem nem de longe o que é ser datilógrafo e ter que aguentar o professor nas quentes tardes de verão, sem ventilador... Ufa, como adoro nossos dias.....mas sinto saudades  da antiga e amiga máquina de escrever  Remington, que virou peça de museu, assim como eu estou virando! 

TRUCO NA PRAIA

O mês de dezembro de 1995 chegara trazendo muito Sol, alegria e muitas pessoas bonitas para o litoral norte e lá estava eu vendendo os sorvetes do Senhor Jairo na Praia Itamambuca.
         Carregava a enorme caixa de isopor de sorvetes na Praia de Perequê-Açú e caminhava até o trevo onde estava a Rodovia Rio-Santos sentido Paraty-RJ e lá ficava aguardando pacientemente o ônibus que transportar-me-ia até a Praia de Itamambuca.
         Itamambuca é uma das praias mais lindas de todo o litoral norte de São Paulo, após aproximadamente uma hora de viagem apreciando a linda paisagem de belas praias descia na rodovia e caminhava até um pequeno povoado que localizava-se na estrada de terra distante uns três quilômetros da Praia de Itamambuca.
         Entrava no bar do Zé Prefeito e degustava algumas cervejas bem geladas e após sentir-me bem preparado e relaxado colocava a enorme caixa de isopor dentro de um carrinho da sorveteria que ficava amarrado embaixo de uma enorme árvore e caminhava vagarosamente pela maravilhosa estrada de terra assobiando lindas canções de Chico Buarque de Holanda e apreciando maravilhosas casas de ricos turistas e a mente viajava entre o pousar de um pequeno pássaro ou alguma pequena borboleta em pequenas árvores que completavam toda a beleza e encanto do local.
         Durante o breve percurso sempre acenava para algum turista que saia das mansões para recolher o jornal ou caminhava lentamente até o Bar do Zé Prefeito para comprar pães e leite para o café matinal ao lado de lindos cães.
         Ao chegar na praia estacionava meu carrinho de sorvetes ao lado do quiosque da Conceição e sentava-me confortavelmente num tosco pedaço de árvore e ficava aguardando meus primeiros fregueses que não demoravam a aparecer.
         Naquele dia a preguiça invadia minha alma e assim que cheguei na praia observei uma família ao redor de uma mesa colocada embaixo de um enorme bangalô jogando truco e bebendo cervejas.
         Fiquei muito feliz admirando tanta felicidade reunida entre gritos de truco e copos entornados de geladas cervejas e resolvi brincar com o pessoal dizendo:
- E aí pessoal aceitam um ótimo jogador de truco na próxima rodada?
Os olhares perscrutadores e alguns sorrisos foram lançados e pediram para eu aguardar a próxima partida que eu iria jogar com a toda a família. Fiquei eternos minutos aguardando o término da partida e entre a venda de um sorvete e outra um velho senhor acenava dizendo que eu iria ser seu parceiro no próximo jogo.
         O jogo terminou e pediram gentilmente para eu sentar que eu iria participar do jogo de truco e assim que terminamos de “bater os reis” e meu parceiro foi definido passamos a jogar cautelosamente entre uma piscada e outra para sinalizar a presença de alguma boa carta: copas, sete ouro, espada ou mesmo o zape e após alguns minutos eu e meu parceiro estávamos fora do jogo sendo humilhado por uma pequena garota que enfiou “seis” na nossa cabeça e lá estava eu e meu parceiro sentados humildemente no tosco tronco de árvore culpando-nos simultaneamente pela derrota.
         A conversa e as experiências da vida eram colocadas naturalmente no delicioso clima da praia e foi quando eu disse ao próspero senhor que torcia para o São Paulo Futebol Clube e ele sorriu e disse que amava muito o São Paulo e tinha ido até o Japão assistir a final e comprara uma enorme bandeira que estava hasteada no topo da sua residência e convidou-me para ir até sua casa com toda sua família.
         Tentei recusar o pedido mas não houve acordo, pediram gentilmente para eu guardar meu carrinho e seguimos à pé até a casa do meu mais novo amigo que ficava apenas um quilômetro da praia.
         Assim que avistei a casa do meu parceiro de truco não acreditei e meus olhos nunca tinham visto uma casa tão linda: Era em formato hexagonal, totalmente de vidro e uma enorme bandeira do São Paulo Futebol Clube tremulando no topo do Castelo. Exclamei: Nossa que maravilhosa casa!
         O meu mais novo amigo pediu que eu entrasse e assim que vi lindos tapetes brancos na sala recusei, pois os meus pés estavam um pouco sujos e ele disse:
- Ora Luiz deixa de frescura e entra logo que irei mostrar minha adega!
         Descemos alguns degraus de uma escada caracol e fiquei diante de uma adega repleta de vinhos de todas as marcas e procedências colocados numa enorme prateleira com pouca iluminação.
         O amigo observou vários litros e resolveu pegar um que ele tinha comprado na Espanha para brindar a minha presença e subimos e ficamos confortavelmente sentados ao redor de uma mesa branca ao lado de uma linda piscina conversando e rindo muito das nossas andanças pelo mundo.
         Fazia-se tarde e resolvi ir embora, pois necessitava pegar o ônibus para Ubatuba e meu amigo disse:
- Poxa Luiz, não fique preocupado com a sua locomoção, pois pedirei para o meu motorista levar você até sua residência.
         Bem mais despreocupado ainda coube tempo para bebermos algumas cervejas importadas entre vários sorrisos de felicidade e quando foi uma hora da manhã resolvi ir embora e foi quando ele chamou o motorista que apresentou-se e abriu a porta traseira do luxuoso carro e pediu gentilmente para eu entrar e eu comecei a rir muito e disse:
- Que isso amigo, não há a necessidade de tanta formalidade, vou no banco dianteiro mesmo! e assim seguimos viagem até a casa da minha tia Ana e quando chegamos e o lindo carro parou em frente da casa da tia Ana todos saíram para observar e disseram:
- Que amizade maravilhosa, tem até motorista particular! E caíram em gargalhadas. Entrei sorrindo e dei um enorme grito:

Truco!

sexta-feira, 19 de junho de 2020

BAR DO FISGUETE



Dos vários bares que conheci ao longo dos meus sessenta e quatro anos de idade, existiu um bar que jamais irei esquecê-lo, chamava-se Bar do Fisguete.
         Diferente de tudo aquilo que um experiente boêmio possa desejar o bar ficava localizado no final da Avenida Conselheiro Antônio Prado, em Jacareí-Sp, de uma simplicidade invejável lá estava o querido e saudoso Fisguete para receber todos os boêmios no finalzinho da noite.
         Muito linda era a hora da abertura do bar, nunca antes das onze da noite e fechava apenas quando saísse o último freguês.
         Uma televisão antiga preto e branco pendurada numa das paredes, um enorme balcão e vários boêmios postados ao redor bebericando todos os tipos de bebidas alcoólicas existentes naquela época e degustando deliciosos churrascos no pão ou apetitosas almôndegas que repousavam numa estufa clamando uma boa mordida.
         Conheci o Bar após sair de uma choperia e ainda sentir muita sede de beber a famosa “saideira” e após rodarmos quase toda a cidade lá estava nosso Oasis e assim que chegamos ao bar ficamos um pouco apreensivos, mas mesmo assim entramos e sentamos numa carcomida mesinha e ficamos bebericando nossa “última” cerveja da noite.
         A partir deste dia sempre fazíamos uma parada no bar do Fisguete nas madrugadas e assim íamos seguindo e acabei descobrindo o que existia de mais engraçado e inusitado... era a corrida de São Fisguete, que acontecia no dia 30 de Dezembro para não existir concorrência com a São Silvestre.
         Resolvi participar e antes da corrida existia uma grande concentração no próprio bar do Fisguete e assim fazíamos nosso aquecimento entre cachaças, cervejas, vinhos e boas risadas.
         O mais engraçado é que só podia participar da corrida quem estivesse devidamente alcoolizado, caso estivesse sóbrio, era eliminado assim que a corrida começava, foi o que aconteceu comigo, pois eu não estava devidamente alcoolizado e após cem metros fui gentilmente retirado da corrida por importantes fiscais semi alcoolizados.
         A estrutura era enorme, pois existia até uma ambulância acompanhando os atletas e socorrendo os mesmo de possíveis quedas e era muito divertido, pois eram apenas mil metros a serem percorridos e quando a largada era anunciada via-se alguns atletas que mal conseguiam dar alguns passos e saiam da avenida e vencia quem chegava por último e a concentração novamente era no bar.
         Até hoje quando me lembro do bar do Fisguete sinto uma certa tontura e dou gostosas gargalhadas do que existiu de mais belo para todos os boêmios de plantão daquela época: Bar do Fisguete!

quinta-feira, 18 de junho de 2020

FORMATURA DA IRMÃ SILVINHA

 
A chuva no dia da minha formatura começou cedo, muito cedo e entre abraços e beijos entrei no carro do meu irmão Robson entre alguns pingos que insistiam em molhar meu lindo vestido de formatura.
      A primeira marcha foi engatada e entre vários faróis vermelhos e verdes minha alma estava muita branda e meus olhos um pouco lacrimejados de emoção pelo momento único da minha vida. 
    Sentei-me delicadamente no banco traseiro do carro, abri minha bolsinha e retirei um terço e comecei a rezar agradecendo a longa caminhada e toda a minha felicidade não cabia na grande metrópole.Ah...como eu estava feliz! Gostaria que todos estivessem presentes naquele momento...mas nem todos estavam presentes, algumas pessoas não estariam lá, pois já tinham partido para outro mundo
     .O carro parou em frente a uma linda faculdade e ouvi a voz do meu irmão: Podem descer e desçam rápido pois terei que estacionar o carro um pouco mais na frente. Paramos e ainda faltavam mais algumas orações para serem rezadas e entre alguns pingos de chuva corremos para dentro da grande festa de formatura.  
     Entramos e logo avistei várias colegas de classe com um brilho nos olhos e entre abraços e beijos fiquei humildemente parada em frente a uma grande janela  observando os pingos da chuva que escorriam pela grande janela.
     Alguns raios e trovões faziam-se presentes e logo fiz uma comparação com aqueles dias de provas difíceis, as saídas rápidas de casa para não perder a aula. Abaixei a cabeça e pensei nos meus pais: José da Silva e Thereza Miranda da Silva e um pouco trémula balbuciei algumas palavras entre algumas lágrimas que desciam pelo meu rosto.
    Repentinamente uma colega de classe tocou o meu braço e disse: Você está feliz Silvinha? Abracei-a e agradeci a todos por estarem presentes naquele momento.
      Entre fotos e lágrimas a chuva continuou a cair e entre abraços e beijos senti-me plenamente feliz e novamente agradeci ao Senhor. Formei-me! Obrigada Senhor! Obrigada a todos que passaram por aquele momento todo especial.Nossa formatura.

MALAS

E então quando nascemos a alegria é imensa entre nossos pais, pois lá estamos nós com nossos chorinhos manhosos apreciando papai e mamãe desarrumando a mala para retirar as primeiras roupinhas e tentar colocar na gente, sempre meio atrapalhados pela emoção de apertar aqui ou ajustar acolá. Pronto já estamos banhados e prontos para irmos para os colos dos visitantes. A mala é abandonada num canto qualquer e todos os focos são voltados para nossa carinha linda.
            O tempo vai passando e mamãe resolve nos batizar em Aparecida do Norte e lá estamos nós novamente colocando a mala em cima da cama e delicadamente as roupinhas são colocadas e estamos prontos para partir.
             A vida segue e até entrarmos para o curso primário foram várias às vezes em que presenciei as malas serem feitas e desfeitas por mamãe quando papai ia viajar e confesso que em algumas vezes ficava com o coração aflito e alma pequenininha imaginando que talvez papai não voltasse mais e entre algumas lágrimas escutava o barulho do zíper fechar-se e eu corria para o quarto para não presenciar a partida que era muito doida. Mas sempre papai voltava e quando ele chegava eu fazia questão de arrastar a enorme mala pela casa e desfazê-la para ver se encontrava algum presentinho escondido lá no fundo, bem no fundo da mala e meus olhos brilhavam de alegria quando eu os encontrava e aí corria e dava um abraço bem apertado em papai e abandonava a mala totalmente aberta na sala sob os olhares repreensivos de mamãe.
         Nas Férias escolares mamãe anunciava que eu iria passar alguns dias na casa da minha avó Duvina e do avô João em Salesópolis, interior de São Paulo e novamente fazíamos as malas com muita alegria e partíamos para pegar o trem para Mogi das Cruzes e depois um ônibus que deixava a gente num bairro chamado “Terceira” onde encontrávamos com meu avô que estava nos esperando montado em um belo cavalo e ainda trazia mais dois cavalos para irmos até sua residência na roça.
          Assim que descíamos do ônibus, a poeira fazia-se presente e entre abraços e beijos as malas eram colocadas num “Balaio” que estava sobre as costas do cavalo e seguíamos viagem até a roça e eu ficava encantado com a paisagem, o abrir e fechar de porteiras, lindos Ipês de todas as cores e o cavalo andando vagarosamente e às vezes até parando quando encontrava algum pequeno córrego.
           Nossa visita era aguardada por todo o povoado e assim que chegávamos à casa do meu avô os abraços de carinho e saudades eram indescritíveis.
           Entrávamos e lá na cozinha existia um belo fogão à lenha que constantemente ficava aceso para manter o café sempre quentinho e alguns pedaços de linguiças e torresmos repousavam num varalzinho sob o fogão à lenha.
            Alguns estalos da lenha queimando, mamãe proseando com minha avó e outras vizinhas que vinham nos recepcionar e o barulho do zíper da mala abrindo-se e lá eu ia correndo pegar um velho short para ir jogar bola num campinho que existia ao lado da casa da minha avó.
            E novamente aquele aperto enorme no coração, era hora de voltar para casa e arrumar as malas e então eu pensava:
“Caramba, acho que não deveria existir malas, pois assim não haveria a necessidade de partir!”, mas depois refletia e chegava à conclusão que seria melhor que as mesmas realmente existissem, pois sem elas não seria possível a gente chegar ao nosso destino.
            Até os dezessete anos de idade nossas malas ficaram repousando num canto qualquer da casa e então decidi morar no interior e novamente solicitei a permissão de mamãe para arrumar as malas e morar no interior e ela um pouco triste concordou e enquanto arrumava as minhas malas via um olhar de apreensão no rosto e algumas lágrimas rolavam no rosto de mamãe e o barulho do zíper fechando-se e logo em seguida um abraço muito apertado em mamãe, no papai e nos meus irmãos e eu saindo com duas enormes malas para o meu destino.
         Até hoje quando arrumo as malas para viajar recordo de vários momentos alegres e tristes, Quantas histórias! Quantas malas arrumadas e desarrumadas aconteceram ao longo desses meus sessenta e quatro anos! 
         Enquanto existir vida e existirem malas meus sonhos ficam repousando num canto da memória e em breve as mesmas serão feitas e poderei esboçar mais um sorriso de Felicidade sob o encantador barulho do zíper fechando-se e eu escutando:
 Pronto já estou feita, podemos partir?

FOGÃO À LENHA

As recordações das minhas férias escolares na casa da minha avó Duvina e do meu avô João na roça ainda permanecem vivas e as lembranças são tão nítidas que consigo descrever cada detalhe existente na humilde casinha de pau a pique coberta com sapé e que ficava localizada no fundo da chácara.
         Sempre que chegávamos à casa da minha avó a alegria em reencontrar pessoas tão amáveis faziam que fraternos abraços misturados com latidos de cachorros e o abrir da porteira faziam nossos corações dispararem entre choros de alegria.
         Assim que entrávamos na casa íamos direto para a cozinha e lá estava o imponente fogão à lenha construído pelo meu avô João. Algumas linguiças e pedaços de toucinhos eram colocados sobre um pequeno varal feito de cipó e ficavam lá vários dias para serem defumados e servirem para temperos ou serem fritos.
         Ao anoitecer os lampiões eram acesos e após o jantar ser preparado com todo carinho pela minha avó Duvina escutávamos ao longe o coaxar de sapos e barulhos estranhos vindo da mata o que enchiam nossos corações de medo e aflição.
         Grandes e arrepiantes histórias de assombrações sempre aconteciam em volta do fogão à lenha contadas pelo meu avó João e às vezes meu tio Luis dava sua participação entrelaçadas de onomatopeias o que aterrorizava mais ainda era o grande e assombroso riso no final da história que fazia a gente até encolher de tanto medo.
         Alguns estalos da madeira e o tição era retirado para acender o cigarro de palha que meu avô “pitava” e nossas atenções sempre de ouvidos nas histórias e de olho no maravilhoso fogo multicolorido produzido pelo mexer nas madeiras e aquilo era um verdadeiro encanto tão diferente de tudo aquilo que estávamos acostumados a viver.
         Eu adorava quando minha avó colocava uma enorme chaleira com água numa boca do fogão à lenha e dizia que iria preparar um cafezinho que seria servido com uma deliciosa farofa.
         Quantas histórias escutamos ao redor do fogão à lenha! Quantos sorrisos foram ecoados pela humilde casa dos meus avós e as lembranças que nunca irão apagar-se, assim como nunca vi o fogão à lenha apagado. Belas recordações! Fogão à lenha.

MISSA NA ROÇA

A missa acontecia no último domingo de cada mês na pequena igreja do bairro do Arrepiado em Salesópolis, estado de São Paulo.
         A simplicidade das poucas casas de pau a pique ao redor da igreja era herança dos tropeiros que cortavam estreitos caminhos carregando vários tipos de mercadorias em lombos de mulas para serem negociadas no litoral paulista.
         Neste dia todo o povoado aguardava ansiosamente a chegada do padre que vinha a cavalo abrindo e fechando porteiras e quando o mesmo chegava na vila todos reverenciavam desejando boas-vindas com muita alegria.
         Aos poucos os cavalos iam sendo amarrados ao redor do grande casarão e após a missa era servido café com vários biscoitos preparados por senhoras moradoras na roça.
         A igrejinha ficava no alto de um morro e as pessoas iam chegando lentamente e cumprimentando-se e passados alguns minutos a missa começava com o padre agradecendo a presença de todos e abrindo a bíblia pedia silêncio e ficava a orar caladamente.
         Algumas moças olhavam para o lado e para trás para poder avistar algum moço de outras vilas e serem notadas para uma posterior paquera após a missa.
         A presença de um moço morador da capital paulista chamava atenção da jovem Thereza Miranda da Silva que neste domingo tinha levado o irmão Evaristo Miranda para poder assistir a missa e assim que o moço José da Silva entrou na igreja e sentou-se ao lado daquela jovem e lá ficaram entreolhando-se entre uma oração e outra o pequeno Evaristo queria sair do banco para observar o padre mais de perto.
         Terminada a missa a jovem deixou o garoto Evaristo em frente a um altar com algumas velas na mão e disse que esperasse um pouco que iria conversar com o jovem José da Silva e assim saiu para uma conversa e possíveis paqueras entre os mesmos.
         Passados alguns minutos a jovem Thereza voltou para dentro da igrejinha para pegar o garoto Evaristo para irem beber o café com biscoitos que já estavam sendo servidos no casarão e ficou muito surpresa quando perguntou sobre as velas e soube que o garoto tinha comido todas as velas. A jovem ficou um pouco zangada com o irmão e pediu para o mesmo limpar a boca e lá seguiram para o delicioso café com biscoitos que estavam sendo servidos entre animadas conversas entre os moradores da roça.
         O padre após servir-se de alguns copos de café e comer alguns biscoitos acenava pedindo muita paz para todos e ainda teve tempo de ouvir a história das velas comidas pelo pequeno garoto.

         Aos poucos todos iam desamarrando os cavalos e cumprimentavam-se pois era chegada a hora de retornar para suas casas e aguardar a próxima missa e assim a jovem Thereza seguia para casa segurando a mão do garoto comedor de velas e assim que chegaram em casa os seus pais perguntaram se tinha tudo corrido bem e ela dizia que tudo estava ótimo e ouviu a garoto dizer: Os biscoitos estavam ótimos, mas gostei mesmo foi das velas! Entre sorrisos ia deitar-se apaixonadamente pensando na próxima missa na roça e reencontrar o querido namorado José da Silva.

PASTEL DE FEIRA

O verdadeiro pastel de feira é o pastel de feira da periferia. Para comer um pastel de feira da periferia existe todo um ritual: há a necessidade, quase que uma obrigação, de ir acompanhado da “patroa”, entenda-se como esposa, companheira, amante ou mesmo a namorada. Mas tem que ir acompanhado(a) para que o prazer da degustação seja a dois.
Pode-se comer o pastel de feira logo quando se chega à feira ou ao terminar as compras, geralmente sempre pechinchando em outras bancas que é pra comer sempre mais um.
Pede-se licença, estaciona-se o carrinho de feira próximo à banca, que dependendo da hora já deve estar lotada de carrinhos. Se der muita sorte pode sentar num dos banquinhos carcomidos, que são reservados para os velhinhos e velhinhas, mas depois do meio-dia a chances são bem remotas de encontrar algum vazio.
Dependendo da periferia, o pessoal está todo uniformizado e consta até o nome da banca. E lá no fundo está um homem com os olhos puxadinhos, denunciando que é oriundo do Oriente, sempre sorridente e jamais desgrudando da escumadeira, sempre apontando aqui e ali para anunciar um freguês mais faminto e/ou apressado.
Em todas as feiras da periferia existem uma ou mais bancas de caldo de cana, a gostosa garapa, que geralmente fica ao lado da banca de pastel. Acredito que deva existir até uma parceria entre as duas bancas, mas até agora ninguém provou isso, então deixamos pra lá e vamos pedir os pastéis.
Entre várias pessoas, ergue-se o dedo indicador e pede-se com um rosto aflito: Um pastel de carne e um de frango com catupiri! Geralmente enquanto o Oriental frita os pastéis pede-se a garapa, que invariavelmente o dono pergunta se quer com limão ao abacaxi. O barulho do motor é ensurdecedor, mas o caldo é delicioso.
Nas manhãs de sábado, na Vila Maria Alta ou em Jacareí ou nas manhãs de domingo em Itaquera dava vontade de pedir “garapa com engove”, tamanha a ressaca do porre da noite anterior.
Quando os pastéis estão fritos jamais esquecer de colocar aquele tradicional vinagrete que pela sua aparência denota um sabor indiscutível e uma fatia de limão acompanha muito bem se for de carne o pastel.
Pastéis comidos e garapas bebidas, pede-se para embrulhar mais alguns pra ir comendo enquanto a “patroa” prepara o almoço de sábado ou domingo, que geralmente são mais demorados. Pode-se também levar a massa do pastel pra fazer alguns para serem comidos com uma boa cerveja gelada à noite.
Saciado, cheio e feliz paga-se e despede-se prometendo voltar na semana seguinte. Novamente pede-se licença para tirar o carrinho de feira e retorna-se para casa empurrando ou puxando o carrinho abarrotado de frutas e hortaliças dependuradas por toda a parte e tomando o maior cuidado para não amassar a “massinha”. Então é só aguardar mais uma semana para comer os tão deliciosos pastéis de feira da periferia.

ENGRAXATE DA PERIFERIA

Todos os dias era um sacrifício danado para conseguir comida para todos, afinal, éramos cinco irmãos e tínhamos uma fome de leão e papai ganhava apenas o suficiente para não passarmos fome. Eu tinha nove anos de idade e resolvi ajudar minha família no orçamento, subitamente tive uma ideia maravilhosa... Iria ser engraxate. Mas como? Não sabia nada sobre a nova atividade e não tinha dinheiro para comprar uma caixa de engraxar, resolvi pedir ajuda para o senhor Heitor, que era um velhinho ex-combatente de guerra que todas as crianças do bairro amavam. Procurei-o e contei-lhe o meu plano de ser engraxate. Ele riu muito e se propôs a me ajudar. Começamos imediatamente a construir minha ferramenta de trabalho, a caixa de engraxar. Após algumas horas, lá estava ela prontinha para ser usada.
Corri pra mostrar para papai e ele perguntou onde eu pretendia engraxar, eu disse que iria engraxar os sapatos de todos os trabalhadores da periferia e iria montar a mesma em frente de casa. Ele meneou a cabeça e sorriu, passou a mão na minha cabeça e pediu-me que fosse me deitar, pois ainda estava escuro e afinal não tinha escova nem graxa para iniciar o meu trabalho. Pedi-lhe alguns trocados e ele imediatamente deu-me algumas moedas para comprar graxa e escova. Rasguei uma calça velha da minha irmãzinha, escondido de mamãe, é claro, e, no outro dia, sob chuva, armei minha caixa de engraxar em frente de casa, fazia parte da instalação um guarda-chuva carcomido pelo tempo e uma velha cadeira.
Esperei o primeiro freguês e as horas foram passando. Eram trabalhadores que iam para seus trabalhos, apressados e com os sapatos cheios de barro, pois a rua em que morávamos não era asfaltada, ninguém parava, não respondiam ao meu bom-dia. Toda a manhã passou e mamãe chamou-me para ir à escola. Foi uma frustração total, mas esperaria outro dia... Foi a semana toda chovendo e eu armando e desarmando a caixa e ninguém parando para engraxar. Sábado amanheceu um dia maravilhoso e enchi-me de alegria e entusiasmo para engraxar meu primeiro para de sapatos. Nada... O Sol já estava se pondo e com ele toda a minha esperança, o coração foi ficando pequenininho, uma profunda tristeza invadiu minha alma... Estava derrotado, não consegui engraxar um único par de calçados. Entrei, coloquei minha caixa de engraxar ao lado do fogão e comecei a folhear um gibi, morrendo de vergonha de não conseguir engraxar absolutamente nada... Eis que batem palmas e minha mãe vai ao portão, um senhor perguntou sobre o menino engraxate e minha mãe chamou-me, e ele disse: Parabéns, garoto! Toda a semana montando e desmontando a caixa! Quantos sapatos você engraxou? Disse-lhe que não tinha engraxado nenhum. Abriu o porta-malas da Brasília e mostrou-me vinte e seis pares de sapatos para serem engraxados. Não me contive e deixei correr algumas lágrimas sobre o meu rosto, de felicidade, de alegria, de persistência. Até hoje me lembro com muita ternura dessa passagem da minha vida.

quarta-feira, 17 de junho de 2020

O VENDEDOR DE PIRULITOS

Sempre que alguém da nossa família ficava gripado, mamãe imediatamente preparava um xarope de Guaco para aliviar nosso sofrimento.
         Num determinado dia minha irmãzinha ficou muito gripada e imediatamente mamãe correu para cozinha para começar a preparar o tal xarope. Adorava observar mamãe cozinhar, nem tanto para aprender e sim para dar umas “beliscadas” nas delicias que sempre ela fazia.
         Mamãe mexia aquele caldo com uma paciência de Buda e eu observando pedi para ela fazer um pirulito com aquele caldo. Imediatamente fiz um canudinho de papel em formato de cone e pedi para ela encher com o melaço,  coloquei um palito de madeira e passados alguns minutos o mesmo já estava pronto para ser chupado.
        Enquanto degustava o pirulito surgiu uma ideia sensacional: Pedi para mamãe fazer alguns pirulitos com o açúcar derretido pois eu iria vender e arrecadar um “dinheirinho” para comprar mistura.
      Mamãe sorriu candidamente e aceitou o convite, mas lembrou-me que eu tinha apenas nove anos e não poderia sair da frente de casa, pois havia algumas pessoas de má índole circulando pelo bairro onde morávamos e poderiam mexer comigo.
        De tanto insistir,  mamãe concordou em fazer os pirulitos, mas enfatizou que deveria ficar próximo de casa.
         Alegremente dirige-me a casa do Sr.Heitor, um senhor idoso que todos nós adorávamos e pedi para ele construir um tabuleiro para colocar os pirulitos. Sorriu amigavelmente,  pegou uma tábua,  uma furadeira e pôs-se a fazer o furos, após algum tempo o tabuleiro já estava pronto. Sr. Heitor colocou uma alça no tabuleiro e enroscou-o no meu pescoço, afagou minha cabeça e desejou-me muita boa sorte no meu novo empreendimento.
         Mensurar a Felicidade de um garoto de nove anos diante da possibilidade de tornar-se um novo milionário vendendo pirulitos era uma grande piada escondida na minha tola cabecinha. Coisa de criança!
        Cheguei em casa eufórico e pedi para mamãe começar a fazer os pirulitos e ela disse que só faria os mesmos a noite e que eu iria vendê-los somente no dia seguinte. Um tanto frustrado acatei mamãe e não via a hora de chegar o momento de preparar os pirulitos.
        A grande panela foi colocada no fogo, em seguida o açúcar e eu xeretando ao redor, até que ela pediu para eu ir fazendo os canudinhos e colocando-os no tabuleiro. Após dispor todos os canudinhos no tabuleiro,  mamãe colocou a calda,  esperou um pouquinho e colocamos os palitos. Pronto os cinquenta pirulitos já estavam prontos, era só aguardar outro dia e sair para vendê-los.
           Quando o  Sol apareceu , coloquei o tabuleiro no pescoço e sai sem fazer nenhum barulho e fiquei em frente de casa oferecendo os pirulitos para os trabalhadores.  Nem olhavam para minha cara,  estavam apressados e seis horas da manhã não era um horário apropriado para chupar pirulito.
           Lá pelas nove horas da manhã entrei em casa sem vender nenhum pirulito e pedi para mamãe se podia dar umas voltas pelo quarteirão e ela concordou, mas insistiu que deveria retornar logo.
           Batia palmas em algumas casas e oferecia os pirulitos, alguns compravam de dó da minha pessoa, outros balançavam a cabeça negativamente e nem me atendiam. De casa em casa consegui vender quase todos os pirulitos e voltei pra casa antes do meio dia com o espírito envolvido num manto de vitória. Tinha conseguido!
          Vendia os pirulitos de segunda-feira à sábado, às vezes sobrava alguns e eu e minhas irmãzinhas chupávamos. Com o lucro das vendas dos pirulitos ajudava mamãe comprar mistura, açúcar e sempre sobrava algum trocado para comprar a Caixinha da Sorte e alguns doces de abóbora que tanto amava.
         Passado algum tempo, mudei de atividade e fui ser Engraxate. Engraxate da Periferia.

FESTA JUNINA

  A missa de domingo terminava e o padre anunciava que iria começar os preparativos para a tradicional quermesse que acontecia no mês de Junho para homenagear os três santos: Santo Antônio, São João e São Pedro. Nós garotos ficávamos muito feliz, pois enquanto o padre pensava em arrecadar alguns trocados para a paróquia, nós poderíamos participar da festa em toda sua plenitude e se desse sorte até conhecer novas garotas.
     Éramos os primeiros a dar o nome para participar como voluntários na arrumação das barracas de guloseimas. Tudo era uma grande diversão e aproveitávamos nosso encontro para colocar nossas pífias conversas em dia e mais falávamos do que trabalhávamos e constantemente levávamos "um pito" ( uma advertência) do padre que pedia mais empenho, mais seriedade com relação ao serviço, pois o mesmo lembrava-nos quanto ao prazo estipulado para o início da quermesse.
      às vezes parávamos de executar um determinado tipo de serviço para conversar com alguma menina conhecida que passava em frente da igreja vindo da feira com a sacola cheia de frutas e verduras e novamente éramos presenteados com uma enérgica bronca do padre, sempre vigilante e presente, entre um beijinho no rosto da menina e um tchauzinho sempre de olho no rosto enfurecido do padre, voltávamos ao serviço, sempre sorridentes.
       No segundo final de semana do mês todas as barracas já estavam montadas e supervisionadas pelo padre que fazia questão de agradecer a todos e esquecendo nossas paqueras.
       O locutor oficial da quermesse era o meu amigo Israel que embora tivesse um gosto musical duvidoso e de muito mal gosto era muito querido e conhecido de todos. Nessa época eu trabalhava numa fábrica de cintos no bairro de Artur Alvim e cursava o primeiro ano do ginásio no Álvares de Azevedo em Itaquera, à noite.Todos os dias meu amigo Israel ia levar uma marmita no almoço que era preparada com muito esmero por mamãe. Dividia meu insignificante salário com o meu amigo Israel e mamãe e o que sobrava guardava para ir à quermesse nos finais de semana.
        No primeiro dia da quermesse eu fazia questão de ir com minha melhor roupa e nesse dia era um dia todo especial. Vestia minha calça boca de sino, que era o estilo da época, era uma calça azul escuro com listras brancas e cintura alta até o estômago, camisa de seda branca, mangas compridas, bem larga e que tinha custado quase um salário mensal. Lustrava os sapatos que tinha um salto enorme chamado de "carrapeta" e colocava um cinto fabricado por mim e tinha uma fivela enorme. Pronto, sentia-me um verdadeiro "toureiro", repartia os cabelos cumpridos ao meio, colocava um perfume comprado na lojinha da dona Matilde e saia erecto em direção a tão aguardada quermesse da igreja.
        Chegava na quermesse e era recebido com alguns assobios dos amigos Israel e Luisão, que eram irmãos, chamando-me de "lindo!, lindo!"Ficava envergonhado e meu rosto ficava mais vermelho do que já era, mas não importava-me e ia em direção a eles pedir para tocar uma música que eu gostava muito, chamada Rock rol lo lo by, cantada por B.J.Thomas, era sucesso na época e todos gostavam. Lá pelas oito da noite a quermesse já tinha pessoas suficiente para iniciar o tradicional bingo e sempre participávamos pagando um insignificante quantia em dinheiro e às vezes ganharmos alguns "bebelôs"de argila que eu trocava por bolinhos caipiras e quentões.Existia o "Correio Elegante" que era um bilhetinho que recebíamos de alguma paquerinha enaltecendo nosso trajar ou nossa obscura beleza de adolescente. Não só recebíamos como mandávamos também para as meninas mais belas da quermesse e nem sempre éramos correspondidos.Mas tudo era festa e nada do Mundo pagava o encanto daquele momento único e maravilhoso. E subitamente éramos interpelados por um grupo de meninas bonitas e falantes, agarrando-nos pelo braço e dizendo que estávamos presos. Lá estávamos dentro de uma cadeia feita de bambu que eu ajudara a construir e claro que  não apresentava resistência alguma diante de braços tão meigos e fazíamos questão de ficarmos presos e com um olhar de piedade pedir para as meninas libertar-nos que elas ganhariam um beijo. às vezes éramos atendidos, mas às vezes ficávamos vários minutos no cárcere,humilde e escutando a voz rouca do amigo Israel no alto-falante pedindo que alguém tivesse piedade e fosse soltar-nos. Aquilo doía na alma e assim que saia da prisão ia até o meu amigo pedir explicações e ele sorria largamente e oferecia-me outra música, dessa vez..Roberto Carlos. Anunciava os bolinhos caipiras, os quentões, a maçã do Amor, a barraca da linguiça e outras e convocavam-nos para assistir a apresentação da quadrilha que era composta de várias crianças do bairro, trajando como caipirinhas. Era divertidíssimo e muito engraçado.às 23 horas anunciava-se o final da quermesse e todos iam retirando-se  e nós ficávamos para ajudar as senhoras a recolher panelas, fogões e outros utensílios.Desligava-se o som, fechava-se as portas do salão paroquial e era hora e voltar para casa, transpirando muita felicidade e alegria e aguardar o próximo final de semana para participar da quermesse da Igreja da Cidade A.E.Carvalho.
        

LIBERDADE

  Há tempos que venho sendo acordado pelo mavioso canto de um pássaro na velha jaqueira existente no quintal da casa onde eu moro. Acordava,...