sexta-feira, 16 de setembro de 2022

LIBERDADE


 Há tempos que venho sendo acordado pelo mavioso canto de um pássaro na velha jaqueira existente no quintal da casa onde eu moro. Acordava, abria os olhos e ainda deitado ficava ouvindo atenciosamente o lindo canto do pássaro e minha mente viajava pelos caminhos por mim percorridos. 

A primeira vez em que ouvi o canto do pássaro lembrei quando eu ainda era menino e adorava embrenhar pelas matas existente no distante bairro chamado Ponte Rasa, periferia da cidade de São Paulo em busca de alguma abóbora, chuchu, mandioca e algum cacho de banana para poder levar para minha mãe preparar e servir no nosso singelo almoço. 

Todos os dias o senhor Heitor, um velhinho de uma cultura invejável e de uma sapiência inefável passava em casa para tomar um cafezinho conosco preparado por mamãe em um fogão à lenha que ficava no quintal do pequeno sítio onde nós morávamos. 

Senhor Heitor era de uma simplicidade invejável, muito educado, falava pausadamente e em um tom de voz que às vezes dava sono, mas mantinha-me atento a cada palavra proferida pelo nosso querido amigo. 

Após tomarmos o café eu convidava o senhor Heitor para irmos até a pequena floresta urbana em busca de alguns alimentos para complementar nossa alimentação diária. 

A minha alegria em estar ao lado do senhor Heitor que conhecia muito sobre exploração de florestas, pois tinha sido militar, era imensurável e assim eu corria até o armário e pegava uma velha bolsa de lona, colocava no ombro e dizia todo sorridente e com o coração acelerado de emoção: Pronto senhor Heitor estou preparado para explorarmos a floresta, podemos ir? 

Senhor Heitor passava a mão na minha cabeça, sorria angelicamente, despedia de todos da minha família e seguíamos para nossa aventura dentro da mata. 

Durante o percurso até a mata o senhor Heitor ia me instruindo como eu deveria me comportar dentro da mata. Tomar cuidado com cobras, andar sempre perto dele, não retirar e nem cortar nenhuma planta e não comer nada sem a sua prévia autorização. 

Assim que entrávamos na mata ouvíamos vários pássaros cantando e o senhor Heitor pedia que eu permanecesse em silêncio para podermos apreciar aquele sublime momento. Sentávamos em algum tronco de árvore caído e lá permanecíamos eternos minutos escutando a sinfonia maviosa dos lindos pássaros existentes naquele pequeno paraíso. 

Às vezes eu me atrevia a fazer alguma pergunta para o senhor Heitor sobre o canto de algum pássaro e ele pausadamente e com a voz baixa explicava sobre o tal pássaro com a sapiência de um ornitólogo. 

O caminhar pela mata com a prudência de um velho índio deixava-me perplexo e eis que o senhor Heitor apontava para alguns galhos cobertos por matos, mexia cuidadosamente e lá estava repousando uma enorme abóbora prestes a ser colhida. Tirava o facão da bainha e cortava cuidadosamente o ramo que prendia a abóbora e colocava na minha sacola de lona e seguíamos mata adentro.  

Um enorme pássaro pousou numa frondosa árvore e pôs se a cantar alegremente e minha mente questionava aquele maravilhoso momento e eu ficava pensando: 

Poxa, eu bem que gostaria de ser um pássaro e ter esta liberdade, não precisar acordar todos os dias bem cedo para ir para escola, não precisar sentar-se à mesa e seguir todos os protocolos de uma família que prezava todas as boas condutas, não iria nunca mais tomar aquele fortificante horrível chamado Emulsão Scoth e nunca mais iria levar surras com varas de marmelo. Pensava, pensava e questionava minha mente: Mas se eu fosse um pássaro teria que acordar todos os dias bem cedinho para cantar naquela mata, bom, seria melhor continuar a ser um ser humano mesmo, apenas um moleque sonhador, afinal, eu odiava acordar cedo. 

- Acorda Luiz, para de sonhar e vamos caminhando em busca de mais alimentos para nossa família, dizia calmamente o senhor Heitor. 

- Mas, eu já estou cansado, necessito de descansar mais um pouco, posso senhor Heitor? 

- Sim, podemos descansar mais um pouco, mas somente mais alguns minutos, tudo bem? 

Balançava a cabeça afirmativamente e sorria para agradecer a paciência do querido amigo de papai que me ensinava as primeiras lições de sobrevivência na selva. 

O tempo ia passando e nós nos embrenhando na mata e eis que em um determinado momento o senhor Heitor colocou a mão no bolso e tirou um pequeno objeto e eu perguntei o que era aquilo. Disse que aquilo era uma bússola e tentou dar algumas explicações que eu nada entendi e após algumas horas dentro da mata e ter extraído uma abóbora, alguns chuchus saíamos do outro lado da mata em uma rua sem asfalto. 

Chegávamos exaustos na minha casa e eu entregava tudo aquilo que colhíamos para minha mãe e ela perguntava. Mas foi você mesmo que colheu tudo isto? Olhava um pouco envergonhado para o senhor Heitor que balançava a cabeça afirmativamente e com um sorriso no rosto eu dizia: Sim, foi eu mesmo que consegui tudo isto pra nós. 

Mamãe convidava o senhor Heitor para almoçar e enquanto ela preparava o almoço ficávamos escutando lindas histórias do nosso querido amigo ao lado do fogão à lenha. 

 

 

 

 

 

LIBERDADE

  Há tempos que venho sendo acordado pelo mavioso canto de um pássaro na velha jaqueira existente no quintal da casa onde eu moro. Acordava,...