segunda-feira, 29 de abril de 2019

BOLO DE NATAL


Papai adorava ler Karl Marx e mamãe encantava-se com a leitura de Allan Kardec. Eu, aos oito anos de idade, sem entender absolutamente nada do conteúdo daqueles “estranhos” livros, relia minha cartilha escolar do curso primário, chamada Caminho Suave e alguns gibis do Zorro e do Fantasma que eram sutilmente  escondidos entre as páginas da cartilha para não serem vistos por mamãe e evitar uma boa surra de vara de marmelo.

    Na véspera do Natal de 1.963, papai saiu de casa, no pacato bairro Parada Inglesa-SP para participar de uma importante reunião no Sindicato de Brinquedos e Instrumentos Musicais, que ficava na Av.Celso Garcia, no Brás-Sp e prometeu a mamãe que voltaria para a confraternização natalina.

    No início da noite mamãe começou a fazer um bolo de morango e quando terminou, colocou o bolo cuidadosamente sobre a mesa e disse enfaticamente que só comeríamos o bolo quando papai chegasse.

    Desolado, sentei-me diante do bolo e com as mãos no queixo e os cotovelos sobre a mesa, comecei a sussurrar uma oração para Jesus pedindo o retorno de papai o mais breve possível.

    O repetitivo “tic-tac” do relógio cuco que ficava na cozinha e alguns estampidos de fogos que iluminavam o céu, anunciavam a proximidade do dia do nascimento de Jesus e deixava-me inquieto e entre uma olhada de soslaio para mamãe e outra para a porta da cozinha para ver se papai estava chegando, colocava o dedo indicador no bolo e levava-o rapidamente até a boca.

    Faltando alguns minutos para meia-noite, papai chegou com um embrulho embaixo do braço e eu iluminei toda a cozinha com um inefável sorriso de Felicidade. Iria comer o bolo!

    Papai deu-me o embrulho acompanhado de um carinhoso beijo na testa e quando eu o abri, meus olhos marejaram diante de uma linda bola de capotão número cinco com um delicioso cheiro de couro cru. Retribuí o presente com um forte abraço e vários beijos no seu rosto.

    Posicionamo-nos ao redor da mesa e demos as mãos e mamãe iniciou uma “interminável” prece agradecendo a tudo e a todos e quando terminou, abraçamo-nos desejando Feliz Natal.

     O bolo de morango com vários furinhos produzidos pelos meus ágeis dedinhos finalmente foi cortado e servido a todos.
     Adormeci num sofá velho, na varanda, todo lambuzado de bolo, abraçado a bola de capotão, escutando o suave “tic-tac” do relógio cuco e o barulho de alguns pingos de chuva que começara a cair... Era Natal! 

LIBERDADE

  Há tempos que venho sendo acordado pelo mavioso canto de um pássaro na velha jaqueira existente no quintal da casa onde eu moro. Acordava,...