quinta-feira, 25 de abril de 2019

O PRESENTE


Todas as tardes quando eu chegava do estafante serviço tinha o hábito de desintoxicar a mente. Após um demorado banho, vestia um velho calção de banho e ficava várias horas na varanda lendo um clássico da literatura, bebericando um bom copo vinho gelado e  apreciando a bela paisagem da periferia.   Eu morava num sobrado que ficava na parte mais alta do bairro e da minha varanda tinha uma visão panorâmica espetacular.  O clima era perfeito, uma confortável cadeira de descanso colocada estrategicamente para observar todos os ângulos e cantos da bela paisagem de várias casas sem o reboco, pois o bairro ainda estava sendo formado e também tinha uma visão maravilhosa do Metrô. Uma mesinha de centro, algumas samambaias penduradas e um canarinho que cantava todo o tempo.
           Foi desta maravilhosa varanda que comecei a esboçar minhas primeiras pífias crônicas. Escrevia as crônicas num caderno e após escritas as mesmas eram guardas a sete chaves para ninguém lê-las, pois tinha receio que observassem meus erros de português que naquela época eram muitos.
            Nossa vizinha era uma senhora muito pobrezinha e morava numa casa muito pequena e criava uma criancinha de três anos de idade e do alto da minha varanda observava todos os movimentos da pequena criança correndo pra cá, correndo pra lá, sempre sozinha, às vezes parava e começava fazer pequenos buracos no chão de terra e repentinamente levantava-se e saía correndo atrás de uma galinha e era muito divertido o diálogo com a galinha que ela carinhosamente chamava de cocó.
             Minha vida estava muito tranquila, tinha um bom emprego, uma ótima casa pra morar, boa comida, uma maravilhosa família e aquela confortável varanda para todos os meus devaneios mentais vespertinos.
             Várias vezes saia da varanda com um peso enorme no coração e ficava imaginando: Enquanto estamos vivendo maravilhosamente bem existia aquela garotinha que talvez estivesse passando fome e resolvi falar com minha esposa para pesquisar como vivia aquela garotinha, quem era e se a mesma estava precisando de alguma “coisa” e prontifiquei-me a ajudar naquilo que fosse necessário.
             No outro dia quando estava na varanda, a porta abriu-se vagarosamente e minha esposa apareceu segurando a mão da menininha e apresentou-me: Aqui está sua filha Luiz! Levantei-me um pouco assustado, caminhei vagarosamente até a linda criança e dei um beijinho na criança e comecei a conversar com a mesma até que minha esposa disse:
- Esta é a Amanda, o pai está pelo mundo e a mãe mora muito distante daqui e ela é criada pela avó com todas as dificuldades de uma pequena renda deixada pelo marido recentemente falecido.
         Amanda era linda, franzina, cabelos todo cacheadinho, moreninha e uns olhos alegres, cheio de esperança que a vida um dia sorriria para ela.
Meus olhos lacrimejaram, corri até o armário e peguei uma caixa de chocolates e dei a ela que ficou muito feliz. A partir daquele dia quase todos os dias via Amanda e meu carinho pela aquela menininha foi crescendo imensamente, pois além de ser muito bonitinha, era educada e chamava-me carinhosamente de Pai.
          Começamos a ajudar Amanda, comprando roupas, enviando cestas básicas para sua avó, lindas sandálias e passados alguns meses Amanda já fazia parte da nossa família e ficava várias horas correndo pela sala, cozinha e brincando de videogame e às vezes colocava a cabecinha na porta da varanda e dizia carinhosamente: Oooooi Papai! Passava a mão na sua cabeça e ela saia correndo dizendo para minha esposa que eu queria pegá-la por ter atrapalhado minhas leituras.
           Às vezes brincava com ela dizendo se ela não parasse de correr pela casa toda iria levá-la até o metrô Sé e então rodaria a mesma inúmeras vezes e largaria ela lá. Ela sorria angelicalmente e dizia: Mas.. papai vamos agora! Vai ser muito legal a gente brincar de roda-roda no metrô e então ela sorria e saia correndo novamente pela casa toda e ia contar pra esposa que iríamos brincar de roda-roda no metrô Sé! Ríamos muito daquele momento.
           Após um farto jantar perguntei a minha patroa se não seria possível adotar aquela menininha e ela vir morar conosco e ela ficou de pensar e falar com a avó para ver se era possível.
           O mês de dezembro começara e a lista de presentes natalinos já estava sendo montada e nunca nos esquecíamos da querida Amanda. Após um maravilhoso natal repleto de presentes e uma mesa divina com comidas de todas as espécies aproximava-se meu aniversário que era dia 27 de dezembro e todos estavam programando dar me um maravilho presente e então a ansiedade fazia-se presente constantemente.
           No dia do meu aniversário minha esposa ligou-me e pediu para eu ir direto pra casa, pois iríamos sair para comemorar meu aniversário e assim foi feito.
           Cheguei em casa e fiquei um pouco assustado, pois todas as luzes estavam apagadas e quando abri a porta da sala, acendeu-se a luz e quase todos os meus amigos começaram a cantar Parabéns para mim. Um lindo bolo disposto numa elegante mesa da sala, várias taças de cristal dispostas sobre a mesa e um vinho importado completava o maravilhoso cenário. Foi quando minha esposa pediu para vendar meus olhos que ela ia trazer meu presente e vendou meus olhos e logo em seguida ela pediu para eu abrir e ver o lindo presente que eu tinha ganhado: Abri os olhos e não vi absolutamente nada e a esposa falou para mim, olha pra baixo e veja seu lindo presente! Quando avistei Amanda com os bracinhos esticados querendo um abraço e dizendo: Sou eu seu presente Papai! Feliz Aniversário! Quase tive um enfarto de tanta emoção, abracei Amanda e dei um carinhoso beijo no seu rostinho. Tínhamos conseguido que Amanda viesse morar conosco, aquele era meu presente: Uma filha! Foi criada com muito carinho enquanto esteve conosco e passados algum tempo voltou para casa da avó. Presente maravilhoso, devidamente guardado a sete chaves na minha memória e agora todos sabemos.


AS "PELADAS" DO PÁTIO DO COLÉGIO


Em 1.971 trabalhava como office-boy numa companhia de seguros na Praça Padre Manoel da Nóbrega, perto da Praça da Sé, no centro de São Paulo. Na hora do almoço, após saborear a excelente refeição preparada com muito esmero por Dona Maria, que era a cozinheira da Cia. onde eu trabalhava, nós office-boys descíamos do vigésimo primeiro andar para dar umas voltas e apreciar o que existia de melhor naquela época: “A beleza da mulher paulistana".
       Ficávamos sentados num banco existente no pátio do Colégio apreciando todas as meninas que passavam apressadas, vindo não sei de onde e indo para um lugar ignorado por nós, talvez algum banco, loja. Num determinado dia o Artur levou uma bola de futebol carcomida e propôs fazermos uma "pelada" no Pátio do Colégio, inicialmente ficamos um tanto apreensivos, eu os colegas achávamos que poderíamos ser presos, mas aceitamos e dividimo-nos em dois grupos e começamos a dar os primeiros chutes na velha bola de futebol.
        Com o passar dos dias, a "pelada" foi chamando atenção de outros office-boys que passavam apressadamente pelo pátio e pediam para participar, nem que fosse só um pouquinho e todos eram aceitos, a única restrição que fazíamos era que tinha que ser office-boy. Após algumas semanas surrando a bola, sempre no horário do almoço, nossa "pelada" já era conhecida por alguns transeuntes e uma pequena e ruidosa torcida composta de camelôs, engraxates, mendigos e alguns vagabundos que perambulavam pela redondeza que paravam para observar aquele bando de moleques sem juízo correndo em pleno centro da maior cidade da América Latina.
         Dois garotos tiravam "par ou ímpar" e começavam a escolher os "craques" que iriam compor o time, geralmente os garotos com porte físico avantajado tinham a preferência e rapidamente eram os primeiros a serem escolhidos, ficando os "miudinhos" e raquíticos para serem escolhidos no final ou aceitavam o ingrato convite para ser gandula.
         O jogo de futebol era muito divertido, pois tudo era improvisado, desde as traves que poderia ser dois pedaços de pedras subtraídas da construção do metrô da Praça da Sé, que estava sendo construído ou uma maleta 007 de algum office-boy ou mesmo um saco de roupas sujas de qualquer mendigo torcedor.
         Inicialmente não existia juiz, mas com o passar dos dias e aumentando o número de jogadores, aceitamos a sugestão de alguns torcedores e resolvemos "escalar" um juiz. O mais difícil era convencer um garoto office-boy a aceitar ser juiz. Cargo tão decisivo e perigoso, visto que qualquer desentendimento era fácil observar o juiz levando alguns cascudos, pegar sua maleta 007 e sair xingando a todos e ir embora; outro dia voltava, mas não aceitava ser juiz de jeito algum.
         Em toda partida de futebol, escolhe-se o melhor jogador em campo, na nossa "pelada" os torcedores escolhiam o pior jogador do Pátio e era dificílimo a escolha, pois um era pior que o outro, éramos verdadeiros "pernas de pau", mas sempre existia o piorzinho de todos e não me envergonho de ter sido escolhido algumas vezes, poucas vezes, mas... “Esse garoto que era escolhido “o pior” era zombado em plena rua aos gritos por outros office-boys e mesmo dentro de algum banco da Rua XV de Novembro, enquanto aguardava pacientemente na quilométrica fila podia ouvir-se” E aí pior!”“. Quando tinha sido escolhido, nem ligava, fazia de conta que não era comigo, mas que dava um "odiozinho" dava.
          Aconteceu uma partida inesquecível em que participaram quarenta e quatro office-boys, vinte e dois de cada lado, acho que todos os office-boys dos escritórios da redondeza estavam lá naquele dia, tinha mais jogadores que torcedores no Pátio, infelizmente neste dia a partida foi interrompida por policiais de trânsito, que vendo aquele bando de garotos atrás de uma bola resolveram parar para observar o que estava acontecendo. Paralisaram nossa partida de futebol e tentamos explicar que era apenas uma "pelada", que não estávamos prejudicando ninguém, a não ser algumas boladas que alguns transeuntes levavam, é claro, que a gente era trabalhador (office-boys), etc., etc. Não houve jeito, confiscaram nossa bola e pediram delicadamente para que voltássemos para nossos escritórios.
           Mas a gente não se preocupava, pois no outro dia outro colega trazia outra bola e lá estávamos nós correndo pra lá e pra cá novamente, mas sempre de olho nos policiais de trânsito.
            Estava chegando o final do ano e resolvemos promover um mini campeonato entre nós office-boys dos escritórios da região e decidimos que o mesmo seria realizado em pleno Pátio do Colégio e somente office-boys poderiam participar. Ficou estabelecido entre nós que o campeão ganharia um troféu, uma quantia em dinheiro e seria necessário os times ter camisetas próprias com o nome do escritório. Quando o campeonato começou era muito lindo ver a molecada abandonada dentro de lindas camisetas ostentando o nome do escritório, soubemos mais tarde que até alguns supervisores e gerentes de escritórios patrocinaram algumas camisetas, mas pediam para não serem identificados, pois poderiam ser demitidos pela ilegalidade do campeonato e pelo local ser um espaço público.
            Faltando alguns dias para o dia do Natal já estava definido os dois times finalistas, os jogos aconteceram em duas semanas, após várias partidas acirradas, no estilo "perdeu, cai fora", o tradicional "mata-mata".  Os dois times finalistas eram o nosso e de um outro escritório pertencente a um banco da Rua Boa Vista.
Golaço, mandando a bola na Rua General Carneiro, quase acertando a cabeça de um camelô. No segundo tempo novamente o Artur nos presenteou com outro gol maravilhoso. Resultado final, ganhamos a partida por 2x0. Éramos Campeão! Abraços misturavam-se com gritos de: É Campeão!
            Atravessamos a Rua XV de Novembro aos gritos de "É Campeão!" e fomos comemorar nossa vitória comendo sanduíches de linguiça calabresa com guaraná na Rua do Tesouro.
             Lá estava nosso troféu em cima do balcão de vidro e a cada mordida em que eu dava no meu sanduíche, olhava para o troféu com um orgulho danado em ter sido Campeão. Campeão da "pelada" do Pátio do Colégio.

LIBERDADE

  Há tempos que venho sendo acordado pelo mavioso canto de um pássaro na velha jaqueira existente no quintal da casa onde eu moro. Acordava,...