sábado, 10 de outubro de 2020

O PRIMEIRO DIA DE AULA

 O passarinho do relógio cuco apareceu na pequena gaiola e cantarolou cinco vezes, a mãe de Francisco despertou, e ficou algum tempo sentado na cama com os olhos voltados para o altar de Santo Antônio que sempre estava iluminado por uma vela branca, fazendo as orações matinais pedindo a Deus que protegesse toda a família e para que todos tivessem um dia maravilhoso.

Dona Rosa era a mãe de Francisco, uma senhora muito bondosa que adorava ajudar todas as pessoas e muito dedicada ao lar, gostava muito de cozinhar para todos da família que consistia do marido José, e seus filhos: Francisco, Regina e Rebeca.

Dona Rosa levantou e foi acordar Francisco que ainda dormia e depois de várias sacoalhadas no corpo esquelético de Francisco disse:

 Acorda Chiquinho, é o seu primeiro dia de aula na escola e não podemos chegar atrasados. Saiu do quarto e dirigiu-se a cozinha que ficava do lado de fora da casa, atravessou a sala silenciosamente e entrou na cozinha empurrando a porta que nunca ficava trancada e colocou uma chaleira que apitava com água no fogo para preparar o café matinal.

O Senhor José acordou desejou bom dia para Rosa dando-lhe um carinhoso beijo no rosto e foi tomar banho e quando passou perto da cama do Chiquinho ainda disse em tom de brincadeira.

 Acorda rapaz vai estudar para não ter que carregar carroça! Sorriu e entrou no banheiro assobiando uma música, estilo chorinho de outrora.

Francisco, virou-se na cama e levantou coçando os olhos e sem ter noção que horas eram, que dia era e foi logo ao encontro da mãe na cozinha que “pelejava” sintonizar o antigo rádio em uma estação onde transmitia notícias do dia. Entre o chiado do rádio e o chiado da chaleira ouvia o menino pedindo a benção para dona Rosa que deu um abraço no pequeno garoto e disse: Deus te abençoe meu filho!

 Vamos se arrumar para ir para escola, assim que seu pai sair do banheiro vê se toma um banho bem caprichado e lava todo o corpo bem direitinho, entendeu? Francisco balançou a cabeça em sinal de concordar e ficou sentado na cama aguardando o senhor José sair do banheiro para ele tomar banho.

Assim que o senhor José saiu do banho Francisco entrou, fechou a porta e ligou o chuveiro e começou a pensar:

“Poxa! finalmente meu primeiro dia de aula. Como será a minha escola? Vou ficar muito feliz em conhecer a minha professora, meus colegas de classe, a diretora.”

Entre divagações Chiquinho escutou baterem na porta, era sua mãe dizendo:

 Vamos garoto, acaba logo com este banho, a água lava o corpo e não lava a alma não, viu? Saiu rapidamente para a cozinha para preparar a marmita que José levaria para o serviço. O preparo da marmita de José era feito com muito carinho, pois, Rosa fazia arroz todos os dias quando acordava para preparar a marmita do marido José, pois, ela temia que a marmita pudesse azedar.

O cheiro agradabilíssimo do café invadia toda a cozinha e enquanto Francisco se enxugava ouvia o barulho da colher em contato com a chaleira adoçando o café e a mãe pedindo para ele ir pegar o leite que o leiteiro deixava em frente do portão todos os dias.

Escuta-se um grito vindo da rua dizendo: leiteiro, leiteiro. Era o senhor Joaquim que vinha trazer todos os dias o leite para o café matinal da família e deixava do lado de fora do portão. Chiquinho corria para ir pegar o leite e enquanto subia os intermináveis degraus do antigo casarão onde moravam que ficava em um bairro de classe média da cidade de São Paulo pensava:

 Poxa! meus pais realmente acreditam em tudo, acreditam até na honestidade das pessoas. Se passar um ladrão e roubar o leite e sair correndo?

Colocava o leite sobre a mesa que já estava devidamente arrumada para receber todos da família, com exceção de Regina e Rebeca que ainda dormiam um sono profundo.

O leite era fervido enquanto Rosa preparava umas deliciosas rabanadas que tanto o senhor José gostava e sentavam-se ao redor da mesa para degustar a primeira refeição matinal: O café com rabanadas e alguns pães que a dona Rosa preparava e armazenava em uma vasilha vermelha devidamente identificada.

Assim que sentavam ao redor da mesa, dona Rosa abaixava a cabeça e fazia uma oração mentalmente agradecendo aquele sublime momento. Comiam e bebiam o café entre alguns comentários de dona Rosa:

 Pois, é Francisco, hoje é seu primeiro dia de aula, vê se comporta na sala de aula e não fica conversando com os seus amiguinhos que você conhecerá.

O pai de Francisco sorria e dizia: ora Rosa, o moleque é comportado e vai se comportar direitinho, não é meu filho?

Chiquinho balançava a cabeça afirmativamente e dava mais uma mordida na deliciosa rabanada e assim entre um diálogo e outro terminavam de comer e beber o café matinal.

José abria a pequena maleta e depositava a marmita, o guarda-chuva e um pequeno livro para ser lido durante o trajeto até o trabalho no centro da cidade de São Paulo, dava um beijo em Rosa, outro em Francisco e nas filhas Regina e Rebeca que ainda estavam dormindo e saia apressado para embarcar no lotado ônibus que o levaria até o serviço.

Dona Rosa foi acordar as filhas para dar o café matinal e deixa-las na casa de uma vizinha chamada dona Arminda enquanto ia levar o Francisco para a escola.

Enquanto Francisco conferia o pouco material que deveria levar para a escola, dona Rosa alimentava as filhas Regina e Rebeca e fazia um ovo mexido com tomate que colocado dentro de um pedaço de pão serviria de lanche para o filho Francisco poder comer na hora da merenda. A lancheira estava arrumada com um bom lanche e um suco de laranja e Francisco já estava pronto para encarar o primeiro compromisso fora de casa. Calça curta azul, sustentada por um suspensórios amarelo, camiseta branca, tênis azul com meias brancas era o uniforme que Chiquinho iria usar na escola e após a dona Rosa estar pronta para ir à escola foi até a casa de uma vizinha, dona Arminda e pediu que ficasse com as filhas Regina e Rebeca enquanto fosse levar o Francisco até a escola.

O caminho até a escola Albino César não era distante, apenas três quilômetros da casa onde morava Francisco , conseguiram fazer este percurso em apenas trinta minutos a pé, caminhando lentamente e após a caminhada estavam diante da enorme escola, imponente diante daquele lindo dia em que a diretora da escola dona Magali e várias professoras aguardavam os alunos no corredor de entrada da escola.

Dona rosa e seu filho Francisco chegaram na escola, subiram vagarosamente as escadas e adentraram o corredor de entrada onde foram recebidos pela diretora dona Magali com um enorme sorriso estampado no rosto.

A quantidade de alunos que estavam iniciando o primeiro ano do curso primário naquele dia era muito grande o que deixou Francisco um pouco apreensivo. Francisco meio assustado segurava firmemente a mão da mãe até que dona Rosa se apresentou para a diretora e disse que seria o primeiro dia de aula do filho.

A diretora Magali disse para a dona Rosa que ficasse sossegada, pois, o Francisco seria muito bem tratado e que viesse pegar o garoto meio-dia pelo portão principal da escola onde estariam alguns inspetores de alunos que conduziriam a dona Rosa até a sala de aula para pegar o querido filho.

A mãe de Francisco deu um carinhoso abraço e um beijo no rosto do filho e saiu com os olhos marejados. Um inspetor de alunos jovem pegou na mão do assustado Francisco e o conduziu até um enorme pátio cheio de crianças conversando e falando alto, deixou o garoto em uma fila e disse:

 Fica nesta fila, porque daqui a pouco a professora vem pegar vocês para entrar na sala de aula, entendeu?

Francisco um pouco amedrontado balançou a cabeça em sinal de positivo e novamente pôs-se a pensar:

“Meu Deus! o que será de mim agora? Minha mãe me abandonou no meio desta barulhenta criançada toda que nem conheço e disse que voltará em breve para me buscar. Será que ela virá mesmo? E se ela não vir me buscar o que vou fazer?”

Olhou para o teto do pátio da escola que estava cheio de bandeirinhas multicoloridas e logo deduziu: Acho que por aqui eles devem fazer muitas festas, estou começando a gostar daqui, será que tem muitos doces? Assim entre várias divagações apareceu no grande palco da escola a diretora Magali com todos os professores e foi logo pedindo silêncio a todos e começou a descrever a escola e apresentar todos os professores, um por um e Francisco olhava admirado e com os olhos brilhando tudo aquilo que estava acontecendo e foi quando após terminar de apresentar todos os professores, inspetores de alunos, pessoal da secretaria e o pessoal da limpeza pediu novamente silêncio a todos os alunos e que prestassem muita atenção, pois, iriam escutar um hino. O hino nacional brasileiro começou a ser tocado e todos os alunos permaneceram em um grande silêncio. Após o hino ser tocado as professoras desceram do palco e foram até a fila pertencente a classe onde elas iriam lecionar e ficaram silenciosamente observando todos os alunos e assim que a diretora Magali autorizou a querida mestra Judite pegou na mão de uma aluna e pediu que os demais alunos acompanhassem a mesma para ir até à sala de aula.

Assim que chegaram na sala de aula a professora Judite ordenou que todos sentassem silenciosamente em qualquer “carteira”. Francisco se acomodou em uma “carteira” bem em frente da mesa da professora e ficou a observar a linda professora Judite:

A professora Judite era jovem, cabelos ruivos, olhos azuis e usava uma saia branca que a deixava mais linda ainda. A professora Judite sentou-se na cadeira e disse que todos prestassem atenção, pois, ela iria chamar o nome de cada um e se o aluno estivesse na sala era para ficar em pé e levantar a mão direita e dizer bem alto: presente.

Aquele primeiro dia de aula para Francisco foi muito agradável, pois, a professora pediu que os alunos se reunirem em grupos e conversassem entre eles para se conhecerem melhor, enquanto a professora ajudava a organizar os grupos ia delicadamente passando a mão na cabeça de um aluno e de outro aluno e sempre falando com uma voz pausada e delicada que todos deveriam se conhecer, afinal iriam passar uma boa parte da vida entre quatro paredes e algumas aulas ao ar livre de educação física.

Novamente Francisco começou a refletir:“ Poxa! isto deve ser muito chato! Como ficar trancado entre quatro paredes enquanto minha querida bola de capotão fica em casa e como será este pessoal que está aqui comigo?” Será que posso trazer minhas irmãs Cristina e Rebeca para ficar aqui comigo?" Foi quando um menino chamado Cosme fez uma pergunta para Francisco:

— Olá, meu nome é Cosme, qual o seu nome? Francisco respondeu um pouco acanhado.

— Meu nome é Francisco, mas o pessoal lá de casa me chama de Chiquinho.

— Onde você mora Chiquinho? É perto da escola?

— Não Cosme, eu moro um pouco longe, perto do ferro velho do seu Antonio, conhece?

Cosme deu um leve sorriso e disse:

— Sim, conheço sim, às vezes ela vai na minha casa, saber se minha mãe tem algo para doar.

- Ah! então devemos morar perto um do outro, que rua você mora Cosme?

Cosme pensou um pouco e disse: moro na rua Esperança e foi logo perguntando se era perto de um grande gramado.

Chiquinho respondeu que sim e assim a partir deste dia Francisco e Cosme tornaram-se amigos inseparáveis, pois ambos moravam na mesma rua: Rua Esperança.

A professora Judite pediu para que todos voltassem para as suas “carteiras” e começou a falar sobre a escola, sobre a disciplina que todos deveriam ter, ao respeito com o amiguinho e com todos da escola e começou a dar uma aula sobre higienização das mãos e assim quando todos estavam muito enturmados soou uma sirene assinalando que as aulas tinham terminado e a professora Judite pediu a todos os alunos que permanecem no respectivo lugar que as mães viriam busca-los na porta da sala de aula.

Francisco abaixou a cabeça e começou a rezar mentalmente para que sua mãe aparecesse rápido na porta e foi quando ouviu a professora chamar o seu nome, ergueu a cabeça, levantou-se e saiu correndo para abraçar a mãe Rosa, que agradeceu a professora Judite e foram embora conversando muito sobre aquela experiência do primeiro dia de aula do curso primário da escola Albino Cesar em 1963.

LIBERDADE

  Há tempos que venho sendo acordado pelo mavioso canto de um pássaro na velha jaqueira existente no quintal da casa onde eu moro. Acordava,...