sábado, 26 de setembro de 2020

SENESCÊNCIA

 


Quando somos detentores de uma vasta experiência de vida somos convidados a preparar nossa malinha para a morte, para algumas pessoas até este direito é negado e não há tempo suficiente para despedidas, simplesmente é ceifado o convívio entre os mortais e pronto.

Antes das despedidas a maioria das pessoas consegue ficar velhas, é como se fosse um preparatório para a passagem para outra vida, esta etapa é a mais difícil, pois, já não temos mais aquela disposição em encarar a vida com muita naturalidade, os passos tornam-se lentos, a memória começa a dar os primeiros sintomas de esquecimento e toda aquela alegria de outrora fica acanhadamente entre sorrisos em bocas desdentadas.

As primeiras dores começam a aparecer pelo flácido corpo que insiste em estar ereto, as praias são trocadas por farmácias, os cassinos e puteiros dão lugar aos consultórios médicos e a contabilidade da vida é atualizada diariamente entre pensamentos repletos de nostalgias.

As missas que outrora eram acompanhadas somente em batizados ou casamentos tornam-se constantes e aquele sentimento de tentar cavar um lugarzinho no céu faz da fé a prioridade do cotidiano.

A visão um pouco turva requer lentes mais espessas e perder os óculos em um canto qualquer da casa faz parte de todo envelhecimento saudável, feliz é quem tem alguém que possa ajuda-lo nesta árdua tarefa.

Os banhos são mais demorados e os movimentos bem mais lentos e quando cai o sabonete no chão a única opção é pegar outro sabonete, pois, caso opte em agachar corre o sério risco em ficar curvado por bons pares de dias.


Ao olhar para o espelho e observar tantas rugas traz aquele sentimento de caminho trilhado entre morros e mares em busca da felicidade e a satisfação mistura-se com um sorriso de alegria em receber este troféu dado por Deus. Envelhecer.

FÉRIAS NA PRAIA DA MOCOCA

    








Após trabalhar trezentos e sessenta e cinco dias em uma pequena empresa em janeiro de mil novecentos e noventa e oito, com o chefe mais chato do mundo, ter que bater o “bendito” ponto, cartão, crachá e ultimamente passarmos apenas o dedo e nossa impressão digital detectar toda a nossa assiduidade. Ônibus lotados, metrô sob um calor infernal, trens parando constantemente na grande metrópole São Paulo, finalmente consegui sair de férias!

Acordei no primeiro dia de férias meio assustado sem saber o que fazer com os trinta dias conseguidos com muito mérito e fiquei vagando entre a sala e a cozinha. Abria a geladeira, assistia televisão, comecei a ler um livro e não passei da terceira página, a inquietação atormentava meu espírito e então ia ao quintal alimentar os pássaros e não sabia onde estava o alpiste e acordei a minha esposa, que carinhosamente a chamava de “patroa”. Então ela acordou meio brava dizendo que estava na segunda gaveta do armário e voltou a dormir, tentei inutilmente regar aquela flor que tanto amava e estava tão linda, mas não sabia onde estava o regador e novamente a esposa foi solicitada para dizer onde estava o tal regador. Barulho de água na chaleira e inventei depois de tanto tempo fazer um café e levar para a esposa que ainda estava deitada, não sabia onde estava o pó de café e novamente acordei a linda dona do lar. Até que num determinado instante ela ficou muito zangada comigo, acordou e dirigiu-se até a cozinha e mostrou onde estava tudo aquilo que eu procurava e eu disse:

— Desculpe-me querida, estou de férias! Ela com uma cara de leão de circo disse:

— Pois, seria muito melhor se você estivesse trabalhando, pois, só assim não seria acordada a esta hora!

— Mas querida já são nove horas deste sábado ensolarado e maravilhoso!

— E dai, não sabe que meu horário de acordar são dez horas todos os dias?

Então sai vagando pelo quintal tentando encontrar o verdadeiro significado da palavra “férias” e quando pensei que tudo estava perdido e eu estava predestinado a passar as minhas férias sendo humilhado, subitamente e prontamente acordei a minha esposa e disse:

- Arruma as malas, vamos viajar para o litoral norte do estado de São Paulo agora e não se esqueça de levar aquele biquíni branco ao qual você fica muito “gostosa”! e sorri alegremente.

A minha amada sorriu e derreteu-se toda e correu fazer as malas para partirmos para nossas merecidas férias. Nossa? Claro que não, apenas a minha, a patroa não fazia nada o ano inteiro e ainda usufruía daquele maravilhoso período.

Todas as nossas malas foram colocadas no carro e foi então que eu observei que estava faltando o principal e logo gritei:

— Mas onde está a barraca de camping, querida? Ela falou nervosamente:

— Mas nós vamos acampar Luiz? e minha resposta foi lacônica:

— Sim, vamos acampar, há alguma objeção?

Humildemente ela foi até o grande porão existente na nossa casa e retirou a enorme barraca de camping e colocou sobre o carro com minha ajuda.

Entre nós arrumarmos todas as “tralhas” no velho chevette azul e eu beber algumas poucas cervejas restantes da noite anterior na geladeira demorou poucos minutos e todos estávamos preparados para “pegar” a estrada.

Novamente nossos conflitos entravam em erupção, pois, ela adorava ouvir pagode e eu admirava música popular brasileira e música clássica. Depois de vários minutos fizemos um acordo e saíamos ouvindo o maravilhoso Chico Buarque de Holanda que logo na descida da serra, na rodovia dos Tamoios foi substituído por “grandes” grupos de pagodes. Aceitei ouvir as músicas um pouco contrariado e coloquei meu inseparável protetor auricular nos ouvidos e assim os pagodeiros desceram cantando e eu dormindo sob o efeito de algumas cervejas ingeridas antes da partida e pouco eu ouvia as vozes estridentes dos “maravilhosos” cantores da minha amada.

Quantas vezes fui acordado durante a viagem e algumas perguntas foram feitas sobre o tal grupo de pagode:

— São maravilhosos, não são Luiz? referindo ao som que estava tocando no CD e eu dizia rapidamente sem olhar para minha esposa, entre uma babada e outra:

— Realmente são excelentes! Se você encontrar músicos melhores que esses avise-me por favor!

Ria alegremente e virava meu rosto para outro lado e continuava a dormir.

Quando meus sonhos pareciam tornar-se realidade eu fui acordado com o carro na areia, sendo chacoalhado para montarmos a barraca de camping. Então abri os olhos vagarosamente e vi a chuva correndo pelos vidros do carro e pedi para minha esposa procurar uma  pousada qualquer mais próxima daquela praia e minha patroa chacoalhou-me novamente e disse com todas as forças do coração:

— Acorda seu fanfarrão, chegamos e é necessário montarmos a barraca! Está chovendo!

Abri a porta vagarosamente e meu corpo quente insistia para que eu ficasse mais alguns minutos dentro do carro, mas não houve acordo, todos me puxaram para fora do veículo e eu sai cambaleando para montar a bendita barraca.

Nunca, jamais, eu tinha montado uma barraca de camping em toda a minha vida e existia a grande necessidade de montarmos a barraca rapidamente, pois, a chuva insistia em não querer dar uma trégua.

Rapidamente sai a procura de algumas pessoas que pudessem nos ajudar a montar a barraca, que era enorme e consegui depois de percorrer várias barracas alguns garotos que disseram que adoravam montar barracas de camping e assim os garotos montaram a barraca quase tudo sozinhos, sob a minha supervisão, segurando uma grande lanterna para iluminar a área onde estava sendo montada a barraca de camping, sempre ingerindo alguns goles de cervejas geladas.

Agradeci aos garotos e começamos a colocar nossos colchonetes, fogão, um pequeno armário e roupas para dentro da barraca e logo após tudo estar bem arrumados ficamos muito alegres.

Quando tudo parecia tranquilo e todo o pessoal estar dormindo tive uma grande vontade de beber algumas cervejas bem geladas e sai a procura da tal cerveja e a encontrei em um quiosque na praia bem distante da nossa barraca com pessoas cantando e outras dançando e encostei meu umbigo no balcão e pedi uma cerveja bem gelada.

Apareceu uma linda garota e perguntou educadamente o que eu queria e eu disse a ela que desejava uma cerveja muito gelada para beber no balcão e prontamente fui atendido.

Após várias cervejas bebidas comecei a ensaiar os meus primeiros passos de dança, imbuídos sobre o efeito do álcool e assim continuei até que inesperadamente apareceu minha esposa com um enorme facão dizendo que iria cortar meu orgão genital. Rapidamente despedi-me de todos e segui em passos trôpegos acompanhando minha amada. Que vergonha! Não consegui esquecer minha última parceira de dança, uma moreninha maravilhosa que dançava alegremente por todo o quiosque.

Chegamos na barraca e meu colchonete foi apresentado, joguei-me pesadamente sobre o mesmo e adormeci com os passos da linda garota dançando na minha mente. Escutei um raivoso boa noite e um durma com Deus dito pela minha patroa e adormeci sonhando com as minhas férias.

No outro dia o Sol fez-se presente, levantei sorrateiramente e sentei na areia, em frente a barraca de camping e fiquei vários minutos olhando para o mar e refletindo sobre o acontecido no dia anterior e prometi para mim mesmo que a partir daquele dia não faria mais patifarias. Ficamos um mês, acampados na Praia da Mococa em Caraguatatuba, litoral norte da cidade de São Paulo e aprendi que nossos impulsos e emoções nos levam a cometer alguns absurdos como o ocorrido. Foi uma das melhores férias da minha vida! Quantas patifarias! Ela deve me odiar até hoje. Belas recordações!

VIDIOBEL - NOSSA PRIMEIRA TV

Em mil novecentos e sessenta e oito foi o ano que adquirimos nosso primeiro aparelho de TV na loja do turco da Praça Ana das Dores, no bairro Cidade A.E. Carvalho, em São Paulo. Até então não tínhamos TV e sempre assistíamos na casa da vizinha. Realmente não tínhamos uma vida muito agradável, pois, era muito constrangedor pedir humildemente para a vizinha se poderia assistir TV, às vezes nós disfarçávamos e levava um pedaço de bolo para vizinha e por lá mesmo nós ficávamos sentados num canto do sofá assistindo desenhos até começar a novela e então mamãe gritava do outro lado da rua, era hora de entrar e abandonar a televizinha.

Quando mamãe anunciou que tinha comprado uma TV, nós, crianças ficamos muito eufóricos e não víamos a hora da mesma chegar.

O caminhãozinho estacionou em frente de casa e perguntaram se era ali que morava minha mãe. Nós, alegres mostramos o caminho e os dois carregadores/montadores pegaram aquela caixa enorme e depositaram cuidadosamente na sala de casa. Imediatamente após mamãe assinar alguns papéis os homens começaram a montar a TV.

Não havia espaço para tanta alegria entre nós e acompanhávamos cada peça retirada da caixa com muita atenção e sempre perguntando se haveria a possibilidade de assistirmos a TV naquele dia e os montadores diziam que dependia muito do nosso comportamento, se ficássemos quietinhos seria possível, senão não seria possível. Houve um silêncio entre nós até a TV ser ligada e aparecer a primeira imagem de uma propaganda da Sheel (gasolina), não houve como segurar nossa explosão de felicidade e abraçamo-nos e demos vários gritos de alegria e independência da TV da vizinha. Não haveria mais sofrimento, mamãe nunca mais iria nos chamar no melhor momento do desenho. Muita alegria!

Eu tinha e ainda tenho uma relação dos melhores momentos da minha vida e este está relacionado entre os primeiros.

Naquele dia ficamos até tarde assistindo a TV até  meu pai chegar do serviço e ficar encantado com a TV. Minha mãe sentou-se num canto do sofá e sorria com ar de muita satisfação.

Após alguns dias que a TV estava em casa, já estava muito bem definido nossos programas favoritos. Eu adorava assistir luta livre, minhas irmãs deliciavam com pífias novelas e foi numa destas disputas por canal que minha irmã Suely arremessou um tamanco de madeira contra a minha pessoa e acabou acertando a lateral da nossa TV. Colocamos a mãos na cabeça e decidimos não falar nada para mamãe, até o dia que ela descobriu e aplicou uma memorável surra de vara de marmelo em nós.

Passados alguns dias minha mãe comprou na lojinha da Dona Matilde um plástico que simulava as cores da TV, o plástico tinha três cores: na parte superior era azul, simulando o céu, na parte do meio era verde que dava a impressão que era a mata e na parte inferior era cinza-claro simulando a terra, o solo. Assim nossos programas tinham mais vida e éramos muito felizes.

Foram vários os programas favoritos e que marcaram profundamente nossa vida naquela época, lembro-me de alguns programas, como: festival de música da Record, Programa de Luta Livre e Ted Boy Marino era nosso herói, a novela Irmãos Coragem, um desenho japonês chamado Nacional Kid, Corrida Maluca, Sílvio Santos, O Vigilante Rodoviário com seu querido e amado cão chamado Lobo, Viagem ao fundo do mar, perdidos no espaço com o amável e ingênuo Dr. Smith, Pernalonga, A praça é Nossa, O Zorro, Lessie, A Feiticeira, Os três Patetas, O gordo e o Magro entre outras joias raras que minha mente não alcança mais.

Maravilhosa TV Vidiobel que tanto nos proporcionou alegrias e momentos inesquecíveis e encantadores!


LIBERDADE

  Há tempos que venho sendo acordado pelo mavioso canto de um pássaro na velha jaqueira existente no quintal da casa onde eu moro. Acordava,...