Tudo começou com uma brincadeira em uma indústria de fabricação de equipamentos de auxílio a radionavegação aérea na qual eu trabalhava como Técnico em Eletrônica.
Enquanto esperávamos novos contratos serem fechados para iniciarmos a produção dos equipamentos ficávamos ociosos, na expectativa de novos e milionários contratos, alguns colegas já bem posicionados mental e financeiramente tinham grandes objetivos e lá estavam eles debruçados sobre espessos livros decifrando e calculando dificílimos problemas da indústria.
Eu, como sempre, um maravilhoso zombador do cotidiano e da vida ficava imaginando como poderia existir pessoas que gastavam eternos minutos lendo e relendo e se informando sobre tudo que rodeava o mundo da tecnologia daquela época.
Em um determinado dia, conversando com alguns colegas zombadores decidi fazer uma brincadeira e lançar um questionário na empresa com a seguinte pergunta: você já foi pobre ou peão? Assim começamos a responder a pergunta ora proposta, inicialmente entre nós (zombadores) e foi quando após nós zombadores escrevermos várias respostas da pergunta um colega começou a ler na sua mesa e gargalhava altamente e foi quando nosso gerente chegou sorrateiramente por trás do colega e ficou espiando caladamente e viu o caderninho com as respostas e o meu colega não percebeu a proximidade do gerente e continuou a rir e foi quando ele se virou para trás e levou um susto, fechou rapidamente o caderninho, esboçou um sorriso de desculpa e começou a tamborilar os dedos na mesa nervosamente.
O gerente pediu o caderninho, esboçou um sorriso de compreensão e caminhou lentamente até sua mesa e começou a ler as respostas e a rir. Pronto, nossos medos estavam armazenados temporariamente e foi quando o gerente chamou meu colega para sentar ao redor da mesa e a pergunta foi apenas uma: — Quem inventou, bolou este questionário? como minha mesa ficava perto da mesa do gerente, escutei e fiz sinal para o colega dizer que era eu. O gerente pediu para o colega voltar para sua mesa e me chamou para conversar. Minha espinha dorsal esfriou, meu rosto ficou muito vermelho e eu já estava preparado para o pedido do gerente para eu ir até o departamento de Recursos Humanos e dizer que eu estava despedido.
Sentei na frente do gerente com aquela cara de perdão e foi quando a pergunta veio com ar de deboche entre um sorrisinho de alegria: foi você que criou este caderninho com esta pergunta?
Disse sem pestanejar que sim e aguardei a resposta do gerente que se limitou a dizer:
Tudo bem, pode continuar o questionário, mas paralelamente gostaria que você percorresse toda a fábrica com seu caderninho e pedisse para os funcionários responderem algumas perguntas em outro caderninho, que serão: como você vê a empresa neste exato momento? Ela está atendendo sua expectativa quando a sua remuneração? O que você faria para mudar a empresa para melhor? Dê alguma sugestão de como tornar esta empresa grande e você crescer com ela.
Pensei alguns segundos e perguntei: posso dizer que foi o senhor que está fazendo esta pesquisa ou não?
O gerente sorriu, levantou os braços calmamente para dar uma espreguiçada, olhou-me com aquela cara de maluco e disse:
Obviamente que não pode, as perguntas serão respondidas nos dois caderninhos e quando atingir a maioria dos funcionários com as respectivas respostas você traz os dois caderninhos para eu fazer uma análise e detalhe: sigilo absoluto, todos irão responder, afinal você trabalha no departamento da qualidade da empresa e todos irão pensar que é para a melhoria da empresa em todos os aspectos, o que acha?
Nunca hesitei tanto em toda a minha vida e depois de alguns minutos calado, resolvi aceitar o pedido do gerente e passados alguns minutos lá estava eu entrando e saindo de todos os departamentos da empresa com o meu caderninho e outro caderninho embaixo do braço com as perguntas do gerente de qualidade.
Armei uma estratégia, primeiro pedia para a pessoa responder a minha pergunta se a pessoa já tinha sido pobre ou peão e após a resposta registrada pedia sutilmente se podia responder as perguntas que o gerente tinha feito.
Alguns funcionários riam de algumas respostas já escritas e lá deixavam suas respostas, outros recusavam-se a responder dizendo que tinham mais o que fazer e não poderiam perder um segundo respondendo baboseiras. Em seguida eu mostrava o caderno com as perguntas que o gerente pediu para fazer e eles respondiam todas sem questionar.
Após três meses percorrendo todos os departamentos e o caderninho já não suportava tantas respostas, mudei para um caderno com duzentas folhas e assim o trabalho foi concluído entre muitas risadas em um ambiente altamente descontraído.
Entreguei os dois cadernos para o gerente e ele pediu para deixar em cima da mesa que ele iria dar uma olhada mais tarde. Voltei para minha mesa e continuei meu trabalho em redigir normas internas para inspeção dos produtos da empresa, mas sempre de olho para ver quando o gerente iria começar a ler os cadernos e ver a reação do mesmo.
Eis que após alguns dias o gerente pegou os cadernos e começou a lê-los e via-se sorrisos e cara de preocupação.
Eu, da minha mesa acompanhava as expressões faciais de sorrisos e frangir de sobrancelhas do gerente. Altos sorrisos às vezes eram ouvidos, e eu tinha certeza que ele estava lendo as respostas do nosso caderninho. Creio que deve ter ficado umas duas horas lendo os cadernos e assim que terminou chamou-me até sua mesa e disse sorrindo:
— Parabéns Luiz, ficou ótimo, muito interessante, agora gostaria que você lesse todas as respostas que deram com relação às perguntas que fiz e os empregados responderam e fizesse um resumo e um relatório do que você acha que poderemos modificar para melhoria da empresa.
Destemido e ousado como era e ainda sou, aceitei o desafio e lá estava eu montando um relatório para a melhoria da empresa. O caderninho de zombaria com as respostas dos colegas ficou confiscado até eu entregar para o gerente o relatório de melhoria da empresa.
Após alguns dias já tinha preparado minuciosamente todas as mudanças que o pessoal da empresa tinha sugerido.
Fiquei aguardando uma resposta para saber se o relatório tinha ficado bom e mais uma vez fui surpreendido pelo sábio gerente que deu o relatório na minha mão e em seguida o caderninho de zombarias e pediu que eu levasse até o dono da empresa para que o mesmo lesse o relatório e também respondesse a pergunta do meu caderninho de zombaria.
Naquele exato momento pensei: acho que o gerente quer que o próprio dono da empresa me dispense e lá fui eu com meu receio entregar o relatório para o dono da empresa.
Fiquei alguns minutos conversando com a recepcionista e fui recebido pelo dono da empresa com um amável sorriso que pediu para eu sentar que gostaria de conversar comigo.
Novamente pensei: agora vem a demissão!
— Soube do seu maravilhoso trabalho em querer ajudar a empresa a crescer e fico muito grato por ser muito participativo. Deixa o relatório comigo e o caderninho de zombaria vou responder sim, mas preciso de algum tempo para recordar se alguma vez já fui pobre ou peão nesta vida, sorriu, despediu-se e fiquei na ansiedade aguardando a demissão e a posterior resposta do dono da empresa que após alguns dias recebi o caderninho com a resposta do proprietário da empresa que dizia:
Não, não posso mentir, nunca fui pobre de verdade, nunca fui peão em toda minha vida, mas adorei as respostas e conhecer um pouquinho mais os nossos colaboradores.
Em posse do nosso caderninho com quase trezentas respostas a gente se divertia lendo a respostas dos aperreios dos colegas fora do horário de trabalho.
Assim, aquilo que nasceu de uma brincadeira tornou uma valiosa fonte de consulta e melhoria para a empresa. Fiquei trabalhando durante cinco anos nesta empresa, onde cresci profissional e pessoalmente ao lado de grandes mestres formados por um renomado Instituto de São José dos Campos e depois fui vender meus conhecimentos para uma indústria bélica.