terça-feira, 17 de novembro de 2020

O SORVETEIRO

 Novamente lá estava eu sem ter onde morar, dormindo de casa em casa de parentes e tentando se estabelecer em algum lugar e fui até a residência do meu primo José que morava em Guarulhos, no estado de São Paulo e mais uma vez solicitei se podia ficar um tempo morando com ele e família.

Meu primo sorriu e deve ter pensado naquele exato momento “Puts, mais uma vez este” mala” ancorando com seus sonhos na nossa família!”.

Entrei na casa do meu primo transpirando muito pela incerteza do que iria acontecer com minha vida e o meu primo convidou-me gentilmente para sentar no sofá e questionou-me qual seria a próxima aventura.

Passei a dar detalhes qual seria o meu próximo passo naquela árdua vidinha e detalhei meu plano que necessitava apenas de alguns meses para passar em um concurso público em Ilhabela. Meu primo, sorriu nervosamente, passou a mão no rosto, e perguntou quanto tempo de estadia eu necessitava e como eu iria sobreviver durante aquele tempo.

Eu já tinha programado tudo: ficaria morando na casa do meu primo, venderia sorvetes pelas ruas da cidade de Guarulhos, inscrever-me-ia no Concurso para Auxiliar de Serviços Gerais em Ilhabela que estava com as inscrições abertas, faria a prova, seria aprovado e iria morar em Ilhabela. Neste exato momento meu primo deve ter pensado: "este louco acha que é fácil passar em um Concurso Público”. Como tínhamos morados no mesmo quintal e meu primo sabia que quando eu estava resolvido realmente em passar em um Concurso Público eu me empenhava ao máximo para alcançar o meu objetivo, digamos assim, eu tinha uma certa experiência em passar em Concursos Públicos, pois, eu já tinha sido aprovado em seis Concursos Públicos, exercido o cargo e simplesmente abandonado todos por não estar feliz onde eu trabalhava. Assim, detalhei os meus planos e mais uma vez fui aceito para morar com a família do meu primo. Apresentou-me o sofá onde eu deveria dormir alguns cachorros que tanto a família amava desejou-me boa sorte e saiu da sala abandonando eu e meus sonhos compartilhados com minha sobrinha Camila que estava muito feliz em eu ir morar com todos da família e entre um gole de café e um cigarro aceso descrevia alegremente minha ida para a Ilhabela e a minha sobrinha perguntava:

— Tio, o senhor conhece Ilhabela, tem conhecidos por lá?

Sorria debochadamente e dizia: olha querida sobrinha, não conheço absolutamente ninguém, nunca estive por lá, sei apenas que é um lugar maravilhoso para morar e é disto que preciso neste exato momento: paz, sossego, alegria, praia e mar.

Minha sobrinha ria e dizia: É louco mesmo e tem espírito de andarilho, de cigano. Que Deus o guie e o proteja muito!

No dia posterior sai procurando alguém que fornecesse sorvetes para eu poder vender pelas ruas da cidade de Guarulhos. Depois de muito andar acabei descobrindo que existia uma pequena sorveteria perto da casa do meu primo.

Fui até a sorveteria e apresentei-me para a proprietária que chamava Ednéia e disse que já tinha vendido sorvetes em quase tudo quanto é canto da cidade de São Paulo e litoral norte de São Paulo e necessitava muito vender sorvetes para sobreviver e esperar ser aprovado em um concurso publico que eu iria se inscrever.

A proprietária fez mais algumas perguntas e ficou um pouco receosa em fornecer sorvetes em consignação para eu vender, pediu que viesse no próximo dia que iria liberar um carrinho para que eu pudesse vender os sorvetes pelas ruas da cidade.

No dia seguinte fui até a sorveteria retirar os sorvetes para vendê-los, a proprietária do carrinho de sorvetes, colocou apenas cinquenta picolés, desejou-me boa sorte e foi atender uns clientes que queriam comprar sorvetes.

Sai empurrando o carrinho sem rumo e resolvi montar um itinerário pelas ruas ao redor da casa do meu primo e assim os dias foram passando e eu já conseguia vender setenta sorvetes em média por dia.

Fui ganhando confiabilidade com a Ednéia e ajudado muito pelo calor que fazia naqueles dias quentes, as vendas iam de vento em popa sob o escaldante sol que insistia em nos deixar bem morenos e eu me deliciava acalentando o grande sonho de morar em uma ilha, Ilhabela.

Estávamos no mês de dezembro e eis que uma triste notícia foi dada após um dia de muito andar pelas ruas de Guarulhos: Infelizmente Luiz não vai ser possível fornecer sorvetes para você vender, disse a Ednéia. Abaixei a cabeça e perguntei tristemente: por que não será possível eu não vender mais sorvetes para você? A Ednéia disse: eu e meu marido vamos viajar para o Sul do país e vamos ficar uns vinte dias sem produzir sorvetes, você entende? Cocei a cabeça e imediatamente disse: você pode deixar um freezer com mil picolés na casa do meu primo e eu vou vendendo aos poucos todos os dias, e quando você voltar pago os mil sorvetes, o que você acha?

Como eu andava vendendo muito sorvetes ela concordou imediatamente e quando ela foi viajar deixou um enorme freezer na sala da casa do meu primo. Era uma verdadeira festa, saia para vender os sorvetes e liberava alguns sorvetes para a família do meu primo poder degustar.

Os dias ficaram mais emocionantes para mim, pois, me sentia na praia e a vontade de passar no Concurso Público crescia a cada dia que passava.

O Concurso de Ilhabela já estava com as inscrições abertas para o cargo que eu almejava, me inscrevi e dei uma olhada na banca, no conteúdo programático, na quantidade de vagas e não tive dúvida: Pensei: “Uma vaga é minha” irei passar, afinal já passei em tantos Concursos e este não me escapa.

Entre as vendas dos sorvetes pelas ruas avenidas e praças de Guarulhos ainda sobrava tempo para dar uma espiada em uma apostila velha e recordar alguns tópicos de Língua Portuguesa e Matemática e às vezes até me dava ao prazer de sentar em uma “mesa de bar” para degustar algumas cervejas enquanto meu pensamento viajava pelas ondas das praias de Ilhabela.

As vendas de sorvetes cada dia que passava sempre aumentava e até convidei minha sobrinha Camila para vender sorvetes comigo e ela aceitou, foi algumas vezes comigo e depois declinou, pois, andava muito e o calor era insuportável. Às vezes a sorte nos acompanhava e vendíamos todos os sorvetes em um orgão público e voltavamos rapidamente para casa.

Era muito engraçado nossas andanças pelas ruas, pois, eu entrava em tudo quanto é lugar e contava para todos que estava apenas vendendo os sorvetes para ir morar em Ilhabela e todos riam e falavam: Ah!. tá! Conta outra piada tiozão.Os fregueses compravam o sorvete desejavam boa sorte e lá ia eu abraçado com minha esperança empurrando o lindo carrinho de sorvetes pela linda cidade de Guarulhos que tanto tinha me acolhido e mais uma vez estava me dando mais uma oportunidade de servir de plataforma para ancorar meu sonho.

O grande dia chegou para ir fazer a prova em Ilhabela e novamente encarnei o espirito de aventureiro e coloquei a mochila e uma barraca de camping nas costas e lá fui eu acampar e fazer a prova.

Fiz a prova em quarenta minutos e fiquei em dúvida em apenas uma questão que perguntava sobre Ilhabela e eu não tinha a mínima noção da alternativa que “chutaria”, optei pela errada.

Das 40 questões eu tinha acertado 39 e as chances de ser aprovado era grande, pois, existia 150 vagas para o cargo que eu estava concorrendo.

Enquanto aguardava a classificação, envolvido no meu manto de ansiedade ia vendendo meus picolés e quando saiu a classificação e eu tinha sido classificado em 135 (centésimo trigésimo quinto) lugar.

Minha alegria foi imensa e só restava naquele exato momento aguardar a convocação para apresentar os documentos e fazer exame médico para ir morar na tão sonhada Ilha.

Demorou apenas um mês e fui convocado para ir fazer o exame médico e apresentar os documentos.

Fiz todos os exames e apresentei todos os documentos e marcaram uma data para assumir o cargo na Prefeitura.

Despedi de todos da casa do meu primo com lágrimas nos olhos e agradeci a todos, coloquei minha mochila nas costas, fiquei alguns momentos refletindo no ponto de ônibus da avenida Guarulhos com os olhos marejados e pensando: "Quando almejamos algo e desejamos arduamente que este objetivo seja alcançado todos os anjos nos ajudam” e lá fui eu e meu anjo da guarda, que insistia em ficar por alí mesmo e eu puxava o mesmo pelas mãos e assim entramos no ônibus sorrindo para todos que não entendiam absolutamente nada da nossa imensa alegria em morar em uma Ilha, Ilhabela.  Quando eu cheguei em Ilhabela...bom,  fica para a próxima crônica.

LIBERDADE

  Há tempos que venho sendo acordado pelo mavioso canto de um pássaro na velha jaqueira existente no quintal da casa onde eu moro. Acordava,...