O passarinho do relógio cuco apareceu na pequena gaiola e cantarolou cinco vezes, a mãe de Francisco despertou, e ficou algum tempo sentado na cama com os olhos voltados para o altar de Santo Antônio que sempre estava iluminado por uma vela branca, fazendo as orações matinais pedindo a Deus que protegesse toda a família e para que todos tivessem um dia maravilhoso.
Dona Rosa era a mãe de Francisco, uma senhora muito bondosa que adorava ajudar todas as pessoas e muito dedicada ao lar, gostava muito de cozinhar para todos da família que consistia do marido José, e seus filhos: Francisco, Regina e Rebeca.
Dona Rosa levantou e foi acordar Francisco que ainda dormia e depois de várias sacoalhadas no corpo esquelético de Francisco disse:
Acorda Chiquinho, é o seu primeiro dia de aula na escola e não podemos chegar atrasados. Saiu do quarto e dirigiu-se a cozinha que ficava do lado de fora da casa, atravessou a sala silenciosamente e entrou na cozinha empurrando a porta que nunca ficava trancada e colocou uma chaleira que apitava com água no fogo para preparar o café matinal.
O Senhor José acordou desejou bom dia para Rosa dando-lhe um carinhoso beijo no rosto e foi tomar banho e quando passou perto da cama do Chiquinho ainda disse em tom de brincadeira.
Acorda rapaz vai estudar para não ter que carregar carroça! Sorriu e entrou no banheiro assobiando uma música, estilo chorinho de outrora.
Francisco, virou-se na cama e levantou coçando os olhos e sem ter noção que horas eram, que dia era e foi logo ao encontro da mãe na cozinha que “pelejava” sintonizar o antigo rádio em uma estação onde transmitia notícias do dia. Entre o chiado do rádio e o chiado da chaleira ouvia o menino pedindo a benção para dona Rosa que deu um abraço no pequeno garoto e disse: Deus te abençoe meu filho!
Vamos se arrumar para ir para escola, assim que seu pai sair do banheiro vê se toma um banho bem caprichado e lava todo o corpo bem direitinho, entendeu? Francisco balançou a cabeça em sinal de concordar e ficou sentado na cama aguardando o senhor José sair do banheiro para ele tomar banho.
Assim que o senhor José saiu do banho Francisco entrou, fechou a porta e ligou o chuveiro e começou a pensar:
“Poxa! finalmente meu primeiro dia de aula. Como será a minha escola? Vou ficar muito feliz em conhecer a minha professora, meus colegas de classe, a diretora.”
Entre divagações Chiquinho escutou baterem na porta, era sua mãe dizendo:
Vamos garoto, acaba logo com este banho, a água lava o corpo e não lava a alma não, viu? Saiu rapidamente para a cozinha para preparar a marmita que José levaria para o serviço. O preparo da marmita de José era feito com muito carinho, pois, Rosa fazia arroz todos os dias quando acordava para preparar a marmita do marido José, pois, ela temia que a marmita pudesse azedar.
O cheiro agradabilíssimo do café invadia toda a cozinha e enquanto Francisco se enxugava ouvia o barulho da colher em contato com a chaleira adoçando o café e a mãe pedindo para ele ir pegar o leite que o leiteiro deixava em frente do portão todos os dias.
Escuta-se um grito vindo da rua dizendo: leiteiro, leiteiro. Era o senhor Joaquim que vinha trazer todos os dias o leite para o café matinal da família e deixava do lado de fora do portão. Chiquinho corria para ir pegar o leite e enquanto subia os intermináveis degraus do antigo casarão onde moravam que ficava em um bairro de classe média da cidade de São Paulo pensava:
Poxa! meus pais realmente acreditam em tudo, acreditam até na honestidade das pessoas. Se passar um ladrão e roubar o leite e sair correndo?
Colocava o leite sobre a mesa que já estava devidamente arrumada para receber todos da família, com exceção de Regina e Rebeca que ainda dormiam um sono profundo.
O leite era fervido enquanto Rosa preparava umas deliciosas rabanadas que tanto o senhor José gostava e sentavam-se ao redor da mesa para degustar a primeira refeição matinal: O café com rabanadas e alguns pães que a dona Rosa preparava e armazenava em uma vasilha vermelha devidamente identificada.
Assim que sentavam ao redor da mesa, dona Rosa abaixava a cabeça e fazia uma oração mentalmente agradecendo aquele sublime momento. Comiam e bebiam o café entre alguns comentários de dona Rosa:
Pois, é Francisco, hoje é seu primeiro dia de aula, vê se comporta na sala de aula e não fica conversando com os seus amiguinhos que você conhecerá.
O pai de Francisco sorria e dizia: ora Rosa, o moleque é comportado e vai se comportar direitinho, não é meu filho?
Chiquinho balançava a cabeça afirmativamente e dava mais uma mordida na deliciosa rabanada e assim entre um diálogo e outro terminavam de comer e beber o café matinal.
José abria a pequena maleta e depositava a marmita, o guarda-chuva e um pequeno livro para ser lido durante o trajeto até o trabalho no centro da cidade de São Paulo, dava um beijo em Rosa, outro em Francisco e nas filhas Regina e Rebeca que ainda estavam dormindo e saia apressado para embarcar no lotado ônibus que o levaria até o serviço.
Dona Rosa foi acordar as filhas para dar o café matinal e deixa-las na casa de uma vizinha chamada dona Arminda enquanto ia levar o Francisco para a escola.
Enquanto Francisco conferia o pouco material que deveria levar para a escola, dona Rosa alimentava as filhas Regina e Rebeca e fazia um ovo mexido com tomate que colocado dentro de um pedaço de pão serviria de lanche para o filho Francisco poder comer na hora da merenda. A lancheira estava arrumada com um bom lanche e um suco de laranja e Francisco já estava pronto para encarar o primeiro compromisso fora de casa. Calça curta azul, sustentada por um suspensórios amarelo, camiseta branca, tênis azul com meias brancas era o uniforme que Chiquinho iria usar na escola e após a dona Rosa estar pronta para ir à escola foi até a casa de uma vizinha, dona Arminda e pediu que ficasse com as filhas Regina e Rebeca enquanto fosse levar o Francisco até a escola.
O caminho até a escola Albino César não era distante, apenas três quilômetros da casa onde morava Francisco , conseguiram fazer este percurso em apenas trinta minutos a pé, caminhando lentamente e após a caminhada estavam diante da enorme escola, imponente diante daquele lindo dia em que a diretora da escola dona Magali e várias professoras aguardavam os alunos no corredor de entrada da escola.
Dona rosa e seu filho Francisco chegaram na escola, subiram vagarosamente as escadas e adentraram o corredor de entrada onde foram recebidos pela diretora dona Magali com um enorme sorriso estampado no rosto.
A quantidade de alunos que estavam iniciando o primeiro ano do curso primário naquele dia era muito grande o que deixou Francisco um pouco apreensivo. Francisco meio assustado segurava firmemente a mão da mãe até que dona Rosa se apresentou para a diretora e disse que seria o primeiro dia de aula do filho.
A diretora Magali disse para a dona Rosa que ficasse sossegada, pois, o Francisco seria muito bem tratado e que viesse pegar o garoto meio-dia pelo portão principal da escola onde estariam alguns inspetores de alunos que conduziriam a dona Rosa até a sala de aula para pegar o querido filho.
A mãe de Francisco deu um carinhoso abraço e um beijo no rosto do filho e saiu com os olhos marejados. Um inspetor de alunos jovem pegou na mão do assustado Francisco e o conduziu até um enorme pátio cheio de crianças conversando e falando alto, deixou o garoto em uma fila e disse:
Fica nesta fila, porque daqui a pouco a professora vem pegar vocês para entrar na sala de aula, entendeu?
Francisco um pouco amedrontado balançou a cabeça em sinal de positivo e novamente pôs-se a pensar:
“Meu Deus! o que será de mim agora? Minha mãe me abandonou no meio desta barulhenta criançada toda que nem conheço e disse que voltará em breve para me buscar. Será que ela virá mesmo? E se ela não vir me buscar o que vou fazer?”
Olhou para o teto do pátio da escola que estava cheio de bandeirinhas multicoloridas e logo deduziu: Acho que por aqui eles devem fazer muitas festas, estou começando a gostar daqui, será que tem muitos doces? Assim entre várias divagações apareceu no grande palco da escola a diretora Magali com todos os professores e foi logo pedindo silêncio a todos e começou a descrever a escola e apresentar todos os professores, um por um e Francisco olhava admirado e com os olhos brilhando tudo aquilo que estava acontecendo e foi quando após terminar de apresentar todos os professores, inspetores de alunos, pessoal da secretaria e o pessoal da limpeza pediu novamente silêncio a todos os alunos e que prestassem muita atenção, pois, iriam escutar um hino. O hino nacional brasileiro começou a ser tocado e todos os alunos permaneceram em um grande silêncio. Após o hino ser tocado as professoras desceram do palco e foram até a fila pertencente a classe onde elas iriam lecionar e ficaram silenciosamente observando todos os alunos e assim que a diretora Magali autorizou a querida mestra Judite pegou na mão de uma aluna e pediu que os demais alunos acompanhassem a mesma para ir até à sala de aula.
Assim que chegaram na sala de aula a professora Judite ordenou que todos sentassem silenciosamente em qualquer “carteira”. Francisco se acomodou em uma “carteira” bem em frente da mesa da professora e ficou a observar a linda professora Judite:
A professora Judite era jovem, cabelos ruivos, olhos azuis e usava uma saia branca que a deixava mais linda ainda. A professora Judite sentou-se na cadeira e disse que todos prestassem atenção, pois, ela iria chamar o nome de cada um e se o aluno estivesse na sala era para ficar em pé e levantar a mão direita e dizer bem alto: presente.
Aquele primeiro dia de aula para Francisco foi muito agradável, pois, a professora pediu que os alunos se reunirem em grupos e conversassem entre eles para se conhecerem melhor, enquanto a professora ajudava a organizar os grupos ia delicadamente passando a mão na cabeça de um aluno e de outro aluno e sempre falando com uma voz pausada e delicada que todos deveriam se conhecer, afinal iriam passar uma boa parte da vida entre quatro paredes e algumas aulas ao ar livre de educação física.
Novamente Francisco começou a refletir:“ Poxa! isto deve ser muito chato! Como ficar trancado entre quatro paredes enquanto minha querida bola de capotão fica em casa e como será este pessoal que está aqui comigo?” Será que posso trazer minhas irmãs Cristina e Rebeca para ficar aqui comigo?" Foi quando um menino chamado Cosme fez uma pergunta para Francisco:
— Olá, meu nome é Cosme, qual o seu nome? Francisco respondeu um pouco acanhado.
— Meu nome é Francisco, mas o pessoal lá de casa me chama de Chiquinho.
— Onde você mora Chiquinho? É perto da escola?
— Não Cosme, eu moro um pouco longe, perto do ferro velho do seu Antonio, conhece?
Cosme deu um leve sorriso e disse:
— Sim, conheço sim, às vezes ela vai na minha casa, saber se minha mãe tem algo para doar.
- Ah! então devemos morar perto um do outro, que rua você mora Cosme?
Cosme pensou um pouco e disse: moro na rua Esperança e foi logo perguntando se era perto de um grande gramado.
Chiquinho respondeu que sim e assim a partir deste dia Francisco e Cosme tornaram-se amigos inseparáveis, pois ambos moravam na mesma rua: Rua Esperança.
A professora Judite pediu para que todos voltassem para as suas “carteiras” e começou a falar sobre a escola, sobre a disciplina que todos deveriam ter, ao respeito com o amiguinho e com todos da escola e começou a dar uma aula sobre higienização das mãos e assim quando todos estavam muito enturmados soou uma sirene assinalando que as aulas tinham terminado e a professora Judite pediu a todos os alunos que permanecem no respectivo lugar que as mães viriam busca-los na porta da sala de aula.
Francisco abaixou a cabeça e começou a rezar mentalmente para que sua mãe aparecesse rápido na porta e foi quando ouviu a professora chamar o seu nome, ergueu a cabeça, levantou-se e saiu correndo para abraçar a mãe Rosa, que agradeceu a professora Judite e foram embora conversando muito sobre aquela experiência do primeiro dia de aula do curso primário da escola Albino Cesar em 1963.