quarta-feira, 30 de junho de 2021

UMA CAMINHONEIRA EM BUSCA DO PAI



Desde criança percebi a falta de carinho de um pai. Logo quando aprendi a falar, perguntava para minha mãe por onde andava meu pai e ela afagava meus cabelos e dizia carinhosamente que ele estava viajando, dirigindo enormes caminhões por este mundão afora.

O tempo foi passando e sempre que eu perguntava do meu pai para minha mãe ela dizia que ele ainda não tinha voltado da viagem e eu tristemente ficava pensando: nossa, a viagem que meu pai está fazendo deve ser muito longe, pois, ele nunca chega.

Comecei a cursar o primeiro ano do Ensino Fundamental e tudo corria muito bem, afinal eu era uma ótima aluna e conseguia aprender com muita facilidade e foi quando no dia dos pais resolveram fazer uma homenagem aos nossos pais e lá estava eu querendo saber do meu pai, pois, haveria a necessidade de o mesmo estar presente na festinha da escola.

Foi quando minha mãe disse para eu esperar mais um pouquinho e naquele dia um tio iria representar o meu pai na festinha. Fiquei muito triste e insistia em querer saber por onde andava meu pai.

O tempo foi passando e nada do meu pai aparecer e eu já estava quase conformada com a ausência do meu pai caminhoneiro que nunca voltava e assim a vida ia seguindo e quantas vezes deixei rolar algumas lágrimas em querer conhecer meu pai “sumido”.

Quando existia uma reunião em nossa família e descontraidamente meu padrinho Manoel perguntava o que eu queria ser quando crescesse, meus olhos brilhavam e aquela vontade enorme de conhecer meu pai caminhoneiro dava a resposta. Quero ser uma caminhoneira igual meu pai, dirigir um enorme caminhão por estas estradas do nosso querido Brasil e tentar encontrar meu pai em alguma parada de caminhoneiros.

Meu tio Manoel ria, afagava meus cabelos e dizia:

— Ah! Querida, vida de caminhoneiro é difícil! Mesmo assim você quer ser caminhoneira? eu respondia sem nenhuma dúvida:

— Quero sim padrinho, diz para mim como é a vida de um caminhoneiro.

— Eu nunca fui caminhoneiro, quem era caminhoneiro era seu pai José, ele sabia muito sobre esta profissão.

— Mas eu nem conheci meu pai até agora, mas irei encontrar quando estiver na estrada e ainda vou perguntar para todos os caminhoneiros onde está meu pai José.

Os olhos do meu padrinho lacrimejava e ele falava: vai sim querida, torço muito para você ser uma excelente caminhoneira e dirigir tão bem como seu pai José dirige e com certeza você o encontrará em algum lugar deste nosso querido país.

O tempo foi passando e quando fiz dezoito anos fui me matricular em uma autoescola no bairro da Penha, em São Paulo para poder adquirir minha carta de motorista e poder dirigir um caminhão. Foi então que eu soube que para dirigir um caminhão existia a necessidade de adquirir uma CNH (Carteira Nacional de Habilitação) categoria E.

Disse ao instrutor de autoescola que queria dirigir carretas e contei detalhadamente o porquê daquele sonho e o instrutor prontificou-se a ajudar-me a habilitar-me para dirigir um caminhão.

Antes, bem antes de matricular-me na escola já sabia dirigir carros pequenos graças ao meu tio Manoel que me ensinou e quando entrei na autoescola foi somente para fazer a prova escrita e a prova prática e após alguns meses eu já estava com minha carta de motorista na mão e pronta para começar a trilhar meu sonho.

Comecei dirigindo carros pequenos e adquiri um lindo fusca vermelho que comprei de um amigo que morava no Jardim Nordeste e fazia questão de transportar todos da minha família para ganhar experiência pelas ruas da cidade de São Paulo.

Após alguns meses dirigindo com muita atenção e sempre que eu entrava no fusca e colocava a chave na ignição para poder dar a partida no fusca meus olhos brilhavam e eu ficava pensando. Um dia ainda será de um caminhão! E seguia para o destino sempre cheio de alegria e imaginando  estar dirigindo um caminhão.

Após alguns meses dirigindo fui novamente a autoescola e fiz novas provas para adquirir a CNH para dirigir uma Van Escolar e assim comecei dirigindo para um amigo uma Van escolar. A responsabilidade era enorme em ver todas aquelas crianças com muita alegria indo para a escola e voltando sob a minha responsabilidade entre as ruas dos bairros da zona Leste da cidade de São Paulo e novamente ficava imaginando eu na estrada com meu possante caminhão.

Quando completei vinte e quatro anos consegui adquirir a CNH que me habilitava a dirigir um caminhão e, naquele momento  foi a grande dificuldade: encontrar uma transportadora que admitisse uma mocinha de apenas vinte e quatro anos dirigindo um caminhão.

Foram vários currículos entregues em várias transportadoras e eis que em um determinado dia uma transportadora do bairro da Vila Guilherme em São Paulo me chamou para uma entrevista.

Naquela noite não consegui dormir tamanha era a minha ansiedade em poder dirigir um caminhão, afinal já tinha dirigido alguns caminhões, mas não dirigindo em estradas.

Fui recebido pelo chefe de transportes e após uma longa entrevista e eu detalhar o porquê de eu querer ser uma caminhoneira ele ficou muito sensibilizado e resolveu dar-me uma oportunidade.

Comecei dirigindo pela cidade de São Paulo e grande São Paulo fazendo entregas de todo o tipo de mercadorias sempre acompanhado de um ajudante e assim após alguns meses o chefe de transportes me chamou na sala dele e disse: tenho boas referências nestes meses em que você está trabalhando conosco e sendo observada por nossos motoristas e tenho uma nova rota para você.

E foi quando o chefe de transportes propôs eu fazer a rota São Paulo-Belo Horizonte e perguntou se eu aceitava e eu imediatamente disse que sim e assim foi marcada a minha primeira viagem como caminhoneira pela Rodovia Fernão Dias até a capital de Minas Gerais, Belo Horizonte.

Bem cedinho eu já estava na transportadora ao lado de um mecânico que passou várias informações de como proceder caso algo acontecesse com o caminhão e ainda recebi várias orientações de um experiente caminhoneiro que tanto conhecia este trajeto.

Quando subi na boleia pela primeira vez para dar a partida no lindo caminhão ergui as mãos para o céu e agradeci a Deus entre algumas lágrimas que rolavam pelo meu rosto.

Cristóvão era o nome do motorista que ia me acompanhar na minha primeira viagem e assim saímos de São Paulo com destino a Belo Horizonte na manhã seguinte o motorista acompanhante dava as coordenadas das ruas por onde eu deveria passar até eu entrar na Rodovia Fernão Dias e seguir sempre em frente.

Cristóvão ia me orientando onde deveríamos parar para se alimentar e após três paradas em postos de gasolina e lanchonetes da rodovia Fernão Dias estávamos na querida Belo Horizonte.

Foram nove horas de estrada e eu estava muito feliz e quando chegamos na transportadora da capital de Minas e eu saí da boleia todos os motoristas da transportadora ficaram surpresos com a minha presença e com a minha juventude.

O tempo foi passando e as viagens foram acontecendo e foi quando conheci Paulo, um caminhoneiro um pouco mais velho do que eu e começamos a namorar. Eu continuava a fazer a viagem para Belo Horizonte e Paulo fazia a viagem de São Paulo para Salvador e quando nos encontrávamos nós namorávamos um pouco.

Depois de alguns meses namorando o Paulo ele sugeriu se poderíamos casar e eu imediatamente disse que não e disse que só aceitaria o casamento se ele fosse solicitar o casamento junto aos meus pais. Paulo sorriu muito e disse: mas Soraia, então não vamos nos casar nunca, pois, você não sabe onde está seu pai! Gargalhei muito e disse: Pois vamos procurar meu pai por este mundão afora e assim adiamos um pouco mais nosso casamento.

Após dois anos de namoro resolvemos casar e levei Paulo para conhecer minha família e solicitamos junto a empresa, férias conjunta, eu e o Paulo para realizarmos o nosso casamento. Convidamos todos os caminhoneiros e o proprietário da transportadora que nos presenteou com uma viagem após o casamento e assim aconteceu o nosso casamento que foi muito lindo.

O Paulo estava me esperando na igreja para casarmos e após longos minutos de espera, uma enorme carreta estacionou na frente da igreja e desci da boleia com muito cuidado para não danificar meu lindo vestido de noiva. Naquele exato momento em que eu estava entrando na igreja novamente senti a falta do meu pai José para entrar comigo na igreja, algumas lágrimas surgiram, sorri e entrei na igreja com muita alegria.

Paulo não se conteve e deixou as lágrimas invadirem o seu rosto. O casamento foi realizado sob os olhares de velhos e conhecidos caminhoneiros e das nossas famílias e após o casamento quando saímos da igreja fomos abraçados pelos nossos amigos caminhoneiros e nossos parentes entre alguns estampidos de fogos de artifício e o som de várias buzinas dos caminhões que estavam estacionados em frente e ao redor da igreja.

A festa foi totalmente patrocinada pelo proprietário da transportadora e assim que terminou a festa fomos descansar para no outro dia iniciar nossa viagem para Salvador, Bahia em lua de mel.

A rota São Paulo Salvador Paulo conhecia muito bem, afinal aquela era a sua rota e assim fomos nos revezando ao volante e paramos várias vezes ao longo das estradas.

Os filhos nasceram e ficavam com minha mãe quando estávamos viajando e foi quando um dia Paulo voltou de viagem e eu estava em casa com as crianças e corri para abraça-lo e disse:

Paulo, tenho uma ótima novidade: conheci uma mulher que pode nos ajudar a encontrar meu pai José! Paulo ficou super feliz e decidimos ir até o endereço citado pela mulher para tentar localizar meu pai.

Chegamos no local indicado, paramos o caminhão na estreita rua e batemos palmas e gritei o nome do meu Pai. Apareceu um senhor chamado Domingos e perguntou o que queríamos com o José. Expliquei que eu estava procurando meu pai e após algumas informações o Domingos me deu a triste notícia que meu pai tinha falecido e disse que tinha casado com outra mulher e gerado vários filhos e perguntou se eu gostaria de conhecê-los e eu imediatamente disse que sim.

Marcamos um encontro com os filhos do meu pai com a sua esposa e conseguimos reunir toda a família e consegui ganhar mais uma família linda. Parei de dirigir caminhão e o Paulo ainda continua na estrada até hoje.

Todo o meu esforço em encontrar meu pai não foi em vão, afinal encontrei o meu querido esposo Paulo e hoje temos três filhos lindos.

sábado, 26 de junho de 2021

MEU QUERIDO SOBRINHO EVANDRO


 Eu andava pela vida sempre dormindo aqui e acolá e existiu um tempo em que morei na casa da minha estimada irmã Sônia que jamais negou um “pouso” ou uma breve estadia até eu arrumar outro canto para esticar meu esquelético corpo carcomido pelo álcool.

Num determinado sábado eu estava sentado na frente da casa da minha irmã observando a tagarelice dos frenéticos feirantes e eis que surge meu querido sobrinho Evandro e fez um convite para mim:

— E aí tio, o que está fazendo agora? E respondi um pouco envergonhado.

- Ah! Baixinho, agora estou pensando na vida e tentando achar uma solução para esta minha vida de nômade.

— Que isto tio, tenho um convite para fazer para o senhor.

— Qual é o próximo negócio, o próximo empreendimento que iremos fazer?

— Nada tio, quero convidar o senhor para ir lavar o carro comigo.

— Mas...baixinho, onde fica este lava-rápido, muito longe?

— Nada tio é aqui mesmo na Estrada da Conceição, a Delicia comprou um lava-rápido sabia?

— Não, não sabia e quem é a delícia?

— Ah! Tio chega de perguntas e entra logo aqui no carro e vou apresentar a Delícia para o senhor.

Entrei no carro e passados alguns minutos já estávamos no lava-rápido da Delícia, subimos alguns degraus e lá estávamos em um lindo bar, tipo mezanino.

Quando a Delícia viu o baixinho sorriu e disse:

Senta queridos para descansar um pouco, vai querer beber alguma coisa?

O Evandro pediu uma cerveja e uma porção de calabresa acebolada e começou umas das mais deliciosas prosas que tivemos em toda nossa vida.

— E aí baixinho lembra quando você era pequenininho e eu trabalhava na Elebra e fazíamos churrasco em plena segunda-feira?

Ah! Se não lembro tio, claro que lembro, o senhor ganhava bem né?

— Imagina baixinho, ganhava razoavelmente para vez ou outra fazer um churrasquinho sob a reprovação da minha mãe que não admitia um churrasco numa segunda-feira à noite e eu adorava e você então vibrava… lembra?

— Claro tio que lembro tio.

O Evandro levantou a mão e pediu mais uma cerveja de garrafa para a Delícia e eu pensei: puts! É hoje que vou dormir na rua, pois, minha irmã proibiu eu de beber enquanto estivesse na casa onde ela morava, mas..deixa rolar para ver no que vai dar.

A Delícia colocou delicadamente a cerveja sobre a mesa, encheu nossos copos e partiu para preparar uma nova porção para degustarmos, desta vez era mandioca frita.

E ai tio, lembra quando fomos vender cafezinho e quibe na feira de sábado?

- Ah!lembro sim (risos).. Eu muito “zoião” saí com os quibes e você com o café e você vendeu tudo e eu apenas alguns quibes.

— Mas foi muito divertido ver nossa agonia em acordar de madrugada e ainda minha mãe me ajudou, lembra?

— Sim, sim, se não lembro, mas vamos pular esta parte vamos para a próxima.

Um sorriso enorme e debochado do baixinho fez se presente no bar da delícia, as cervejas e porções foram sendo consumidas e as lindas lembranças afloravam em nossa mente e fomos para mais uma lembrança.

— E ai tio, lembra quando fomos vender rodos e vassouras pelas ruas da Vila Maria, Vila Sabrina?

— Sim, se não lembro, você queria ir ao ratinho me denunciar porque queria o dinheiro das vendas dos rodos e das vassouras e acabou vendendo todos os rodos e vassouras numa comunidade. Lembra?

Outro sorriso fez-se largo no rosto do querido sobrinho e assim fomos lembrando de todas as nossas aventuras de negociantes regadas de muitas cervejas e foi quando o filho da Delícia veio dizer que o carro já estava lavado e aspirado, pronto para entrega.

O baixinho riu e disse:

— Ah!lava de novo, pois o papo com o tio Luiz está tão bom.

O filho da Delícia saiu sorrindo sem entender nada e foi lavar outro carro.

Depois de quase todos os casos vividos por nós serem lembrados nos abraçamos fraternalmente e o baixinho deu um beijo no meu rosto e disse:

- Gosto muito de você velho, se cuida viu e vamos embora encarar a Dona Sônia que deve estar brava, muito brava.

Desci as escadas da casa da minha irmã em passos trôpegos e sentei-me pesadamente em um velho sofá e fiquei imaginando o tanto quanto aquele meu querido sobrinho era gente fina.

Adormeci no sofá, acordei de madrugada balbuciando:

E ai baixinho vamos relembrar mais alguns “causos”?

Um encontro maravilhoso que nos proporcionou um grande e raro momento vividos nesta vida. Obrigado querido Evandro e descanse em paz que em breve daremos continuação a nossa prosa.

LIBERDADE

  Há tempos que venho sendo acordado pelo mavioso canto de um pássaro na velha jaqueira existente no quintal da casa onde eu moro. Acordava,...