quinta-feira, 18 de junho de 2020

FORMATURA DA IRMÃ SILVINHA

 
A chuva no dia da minha formatura começou cedo, muito cedo e entre abraços e beijos entrei no carro do meu irmão Robson entre alguns pingos que insistiam em molhar meu lindo vestido de formatura.
      A primeira marcha foi engatada e entre vários faróis vermelhos e verdes minha alma estava muita branda e meus olhos um pouco lacrimejados de emoção pelo momento único da minha vida. 
    Sentei-me delicadamente no banco traseiro do carro, abri minha bolsinha e retirei um terço e comecei a rezar agradecendo a longa caminhada e toda a minha felicidade não cabia na grande metrópole.Ah...como eu estava feliz! Gostaria que todos estivessem presentes naquele momento...mas nem todos estavam presentes, algumas pessoas não estariam lá, pois já tinham partido para outro mundo
     .O carro parou em frente a uma linda faculdade e ouvi a voz do meu irmão: Podem descer e desçam rápido pois terei que estacionar o carro um pouco mais na frente. Paramos e ainda faltavam mais algumas orações para serem rezadas e entre alguns pingos de chuva corremos para dentro da grande festa de formatura.  
     Entramos e logo avistei várias colegas de classe com um brilho nos olhos e entre abraços e beijos fiquei humildemente parada em frente a uma grande janela  observando os pingos da chuva que escorriam pela grande janela.
     Alguns raios e trovões faziam-se presentes e logo fiz uma comparação com aqueles dias de provas difíceis, as saídas rápidas de casa para não perder a aula. Abaixei a cabeça e pensei nos meus pais: José da Silva e Thereza Miranda da Silva e um pouco trémula balbuciei algumas palavras entre algumas lágrimas que desciam pelo meu rosto.
    Repentinamente uma colega de classe tocou o meu braço e disse: Você está feliz Silvinha? Abracei-a e agradeci a todos por estarem presentes naquele momento.
      Entre fotos e lágrimas a chuva continuou a cair e entre abraços e beijos senti-me plenamente feliz e novamente agradeci ao Senhor. Formei-me! Obrigada Senhor! Obrigada a todos que passaram por aquele momento todo especial.Nossa formatura.

MALAS

E então quando nascemos a alegria é imensa entre nossos pais, pois lá estamos nós com nossos chorinhos manhosos apreciando papai e mamãe desarrumando a mala para retirar as primeiras roupinhas e tentar colocar na gente, sempre meio atrapalhados pela emoção de apertar aqui ou ajustar acolá. Pronto já estamos banhados e prontos para irmos para os colos dos visitantes. A mala é abandonada num canto qualquer e todos os focos são voltados para nossa carinha linda.
            O tempo vai passando e mamãe resolve nos batizar em Aparecida do Norte e lá estamos nós novamente colocando a mala em cima da cama e delicadamente as roupinhas são colocadas e estamos prontos para partir.
             A vida segue e até entrarmos para o curso primário foram várias às vezes em que presenciei as malas serem feitas e desfeitas por mamãe quando papai ia viajar e confesso que em algumas vezes ficava com o coração aflito e alma pequenininha imaginando que talvez papai não voltasse mais e entre algumas lágrimas escutava o barulho do zíper fechar-se e eu corria para o quarto para não presenciar a partida que era muito doida. Mas sempre papai voltava e quando ele chegava eu fazia questão de arrastar a enorme mala pela casa e desfazê-la para ver se encontrava algum presentinho escondido lá no fundo, bem no fundo da mala e meus olhos brilhavam de alegria quando eu os encontrava e aí corria e dava um abraço bem apertado em papai e abandonava a mala totalmente aberta na sala sob os olhares repreensivos de mamãe.
         Nas Férias escolares mamãe anunciava que eu iria passar alguns dias na casa da minha avó Duvina e do avô João em Salesópolis, interior de São Paulo e novamente fazíamos as malas com muita alegria e partíamos para pegar o trem para Mogi das Cruzes e depois um ônibus que deixava a gente num bairro chamado “Terceira” onde encontrávamos com meu avô que estava nos esperando montado em um belo cavalo e ainda trazia mais dois cavalos para irmos até sua residência na roça.
          Assim que descíamos do ônibus, a poeira fazia-se presente e entre abraços e beijos as malas eram colocadas num “Balaio” que estava sobre as costas do cavalo e seguíamos viagem até a roça e eu ficava encantado com a paisagem, o abrir e fechar de porteiras, lindos Ipês de todas as cores e o cavalo andando vagarosamente e às vezes até parando quando encontrava algum pequeno córrego.
           Nossa visita era aguardada por todo o povoado e assim que chegávamos à casa do meu avô os abraços de carinho e saudades eram indescritíveis.
           Entrávamos e lá na cozinha existia um belo fogão à lenha que constantemente ficava aceso para manter o café sempre quentinho e alguns pedaços de linguiças e torresmos repousavam num varalzinho sob o fogão à lenha.
            Alguns estalos da lenha queimando, mamãe proseando com minha avó e outras vizinhas que vinham nos recepcionar e o barulho do zíper da mala abrindo-se e lá eu ia correndo pegar um velho short para ir jogar bola num campinho que existia ao lado da casa da minha avó.
            E novamente aquele aperto enorme no coração, era hora de voltar para casa e arrumar as malas e então eu pensava:
“Caramba, acho que não deveria existir malas, pois assim não haveria a necessidade de partir!”, mas depois refletia e chegava à conclusão que seria melhor que as mesmas realmente existissem, pois sem elas não seria possível a gente chegar ao nosso destino.
            Até os dezessete anos de idade nossas malas ficaram repousando num canto qualquer da casa e então decidi morar no interior e novamente solicitei a permissão de mamãe para arrumar as malas e morar no interior e ela um pouco triste concordou e enquanto arrumava as minhas malas via um olhar de apreensão no rosto e algumas lágrimas rolavam no rosto de mamãe e o barulho do zíper fechando-se e logo em seguida um abraço muito apertado em mamãe, no papai e nos meus irmãos e eu saindo com duas enormes malas para o meu destino.
         Até hoje quando arrumo as malas para viajar recordo de vários momentos alegres e tristes, Quantas histórias! Quantas malas arrumadas e desarrumadas aconteceram ao longo desses meus sessenta e quatro anos! 
         Enquanto existir vida e existirem malas meus sonhos ficam repousando num canto da memória e em breve as mesmas serão feitas e poderei esboçar mais um sorriso de Felicidade sob o encantador barulho do zíper fechando-se e eu escutando:
 Pronto já estou feita, podemos partir?

FOGÃO À LENHA

As recordações das minhas férias escolares na casa da minha avó Duvina e do meu avô João na roça ainda permanecem vivas e as lembranças são tão nítidas que consigo descrever cada detalhe existente na humilde casinha de pau a pique coberta com sapé e que ficava localizada no fundo da chácara.
         Sempre que chegávamos à casa da minha avó a alegria em reencontrar pessoas tão amáveis faziam que fraternos abraços misturados com latidos de cachorros e o abrir da porteira faziam nossos corações dispararem entre choros de alegria.
         Assim que entrávamos na casa íamos direto para a cozinha e lá estava o imponente fogão à lenha construído pelo meu avô João. Algumas linguiças e pedaços de toucinhos eram colocados sobre um pequeno varal feito de cipó e ficavam lá vários dias para serem defumados e servirem para temperos ou serem fritos.
         Ao anoitecer os lampiões eram acesos e após o jantar ser preparado com todo carinho pela minha avó Duvina escutávamos ao longe o coaxar de sapos e barulhos estranhos vindo da mata o que enchiam nossos corações de medo e aflição.
         Grandes e arrepiantes histórias de assombrações sempre aconteciam em volta do fogão à lenha contadas pelo meu avó João e às vezes meu tio Luis dava sua participação entrelaçadas de onomatopeias o que aterrorizava mais ainda era o grande e assombroso riso no final da história que fazia a gente até encolher de tanto medo.
         Alguns estalos da madeira e o tição era retirado para acender o cigarro de palha que meu avô “pitava” e nossas atenções sempre de ouvidos nas histórias e de olho no maravilhoso fogo multicolorido produzido pelo mexer nas madeiras e aquilo era um verdadeiro encanto tão diferente de tudo aquilo que estávamos acostumados a viver.
         Eu adorava quando minha avó colocava uma enorme chaleira com água numa boca do fogão à lenha e dizia que iria preparar um cafezinho que seria servido com uma deliciosa farofa.
         Quantas histórias escutamos ao redor do fogão à lenha! Quantos sorrisos foram ecoados pela humilde casa dos meus avós e as lembranças que nunca irão apagar-se, assim como nunca vi o fogão à lenha apagado. Belas recordações! Fogão à lenha.

MISSA NA ROÇA

A missa acontecia no último domingo de cada mês na pequena igreja do bairro do Arrepiado em Salesópolis, estado de São Paulo.
         A simplicidade das poucas casas de pau a pique ao redor da igreja era herança dos tropeiros que cortavam estreitos caminhos carregando vários tipos de mercadorias em lombos de mulas para serem negociadas no litoral paulista.
         Neste dia todo o povoado aguardava ansiosamente a chegada do padre que vinha a cavalo abrindo e fechando porteiras e quando o mesmo chegava na vila todos reverenciavam desejando boas-vindas com muita alegria.
         Aos poucos os cavalos iam sendo amarrados ao redor do grande casarão e após a missa era servido café com vários biscoitos preparados por senhoras moradoras na roça.
         A igrejinha ficava no alto de um morro e as pessoas iam chegando lentamente e cumprimentando-se e passados alguns minutos a missa começava com o padre agradecendo a presença de todos e abrindo a bíblia pedia silêncio e ficava a orar caladamente.
         Algumas moças olhavam para o lado e para trás para poder avistar algum moço de outras vilas e serem notadas para uma posterior paquera após a missa.
         A presença de um moço morador da capital paulista chamava atenção da jovem Thereza Miranda da Silva que neste domingo tinha levado o irmão Evaristo Miranda para poder assistir a missa e assim que o moço José da Silva entrou na igreja e sentou-se ao lado daquela jovem e lá ficaram entreolhando-se entre uma oração e outra o pequeno Evaristo queria sair do banco para observar o padre mais de perto.
         Terminada a missa a jovem deixou o garoto Evaristo em frente a um altar com algumas velas na mão e disse que esperasse um pouco que iria conversar com o jovem José da Silva e assim saiu para uma conversa e possíveis paqueras entre os mesmos.
         Passados alguns minutos a jovem Thereza voltou para dentro da igrejinha para pegar o garoto Evaristo para irem beber o café com biscoitos que já estavam sendo servidos no casarão e ficou muito surpresa quando perguntou sobre as velas e soube que o garoto tinha comido todas as velas. A jovem ficou um pouco zangada com o irmão e pediu para o mesmo limpar a boca e lá seguiram para o delicioso café com biscoitos que estavam sendo servidos entre animadas conversas entre os moradores da roça.
         O padre após servir-se de alguns copos de café e comer alguns biscoitos acenava pedindo muita paz para todos e ainda teve tempo de ouvir a história das velas comidas pelo pequeno garoto.

         Aos poucos todos iam desamarrando os cavalos e cumprimentavam-se pois era chegada a hora de retornar para suas casas e aguardar a próxima missa e assim a jovem Thereza seguia para casa segurando a mão do garoto comedor de velas e assim que chegaram em casa os seus pais perguntaram se tinha tudo corrido bem e ela dizia que tudo estava ótimo e ouviu a garoto dizer: Os biscoitos estavam ótimos, mas gostei mesmo foi das velas! Entre sorrisos ia deitar-se apaixonadamente pensando na próxima missa na roça e reencontrar o querido namorado José da Silva.

PASTEL DE FEIRA

O verdadeiro pastel de feira é o pastel de feira da periferia. Para comer um pastel de feira da periferia existe todo um ritual: há a necessidade, quase que uma obrigação, de ir acompanhado da “patroa”, entenda-se como esposa, companheira, amante ou mesmo a namorada. Mas tem que ir acompanhado(a) para que o prazer da degustação seja a dois.
Pode-se comer o pastel de feira logo quando se chega à feira ou ao terminar as compras, geralmente sempre pechinchando em outras bancas que é pra comer sempre mais um.
Pede-se licença, estaciona-se o carrinho de feira próximo à banca, que dependendo da hora já deve estar lotada de carrinhos. Se der muita sorte pode sentar num dos banquinhos carcomidos, que são reservados para os velhinhos e velhinhas, mas depois do meio-dia a chances são bem remotas de encontrar algum vazio.
Dependendo da periferia, o pessoal está todo uniformizado e consta até o nome da banca. E lá no fundo está um homem com os olhos puxadinhos, denunciando que é oriundo do Oriente, sempre sorridente e jamais desgrudando da escumadeira, sempre apontando aqui e ali para anunciar um freguês mais faminto e/ou apressado.
Em todas as feiras da periferia existem uma ou mais bancas de caldo de cana, a gostosa garapa, que geralmente fica ao lado da banca de pastel. Acredito que deva existir até uma parceria entre as duas bancas, mas até agora ninguém provou isso, então deixamos pra lá e vamos pedir os pastéis.
Entre várias pessoas, ergue-se o dedo indicador e pede-se com um rosto aflito: Um pastel de carne e um de frango com catupiri! Geralmente enquanto o Oriental frita os pastéis pede-se a garapa, que invariavelmente o dono pergunta se quer com limão ao abacaxi. O barulho do motor é ensurdecedor, mas o caldo é delicioso.
Nas manhãs de sábado, na Vila Maria Alta ou em Jacareí ou nas manhãs de domingo em Itaquera dava vontade de pedir “garapa com engove”, tamanha a ressaca do porre da noite anterior.
Quando os pastéis estão fritos jamais esquecer de colocar aquele tradicional vinagrete que pela sua aparência denota um sabor indiscutível e uma fatia de limão acompanha muito bem se for de carne o pastel.
Pastéis comidos e garapas bebidas, pede-se para embrulhar mais alguns pra ir comendo enquanto a “patroa” prepara o almoço de sábado ou domingo, que geralmente são mais demorados. Pode-se também levar a massa do pastel pra fazer alguns para serem comidos com uma boa cerveja gelada à noite.
Saciado, cheio e feliz paga-se e despede-se prometendo voltar na semana seguinte. Novamente pede-se licença para tirar o carrinho de feira e retorna-se para casa empurrando ou puxando o carrinho abarrotado de frutas e hortaliças dependuradas por toda a parte e tomando o maior cuidado para não amassar a “massinha”. Então é só aguardar mais uma semana para comer os tão deliciosos pastéis de feira da periferia.

ENGRAXATE DA PERIFERIA

Todos os dias era um sacrifício danado para conseguir comida para todos, afinal, éramos cinco irmãos e tínhamos uma fome de leão e papai ganhava apenas o suficiente para não passarmos fome. Eu tinha nove anos de idade e resolvi ajudar minha família no orçamento, subitamente tive uma ideia maravilhosa... Iria ser engraxate. Mas como? Não sabia nada sobre a nova atividade e não tinha dinheiro para comprar uma caixa de engraxar, resolvi pedir ajuda para o senhor Heitor, que era um velhinho ex-combatente de guerra que todas as crianças do bairro amavam. Procurei-o e contei-lhe o meu plano de ser engraxate. Ele riu muito e se propôs a me ajudar. Começamos imediatamente a construir minha ferramenta de trabalho, a caixa de engraxar. Após algumas horas, lá estava ela prontinha para ser usada.
Corri pra mostrar para papai e ele perguntou onde eu pretendia engraxar, eu disse que iria engraxar os sapatos de todos os trabalhadores da periferia e iria montar a mesma em frente de casa. Ele meneou a cabeça e sorriu, passou a mão na minha cabeça e pediu-me que fosse me deitar, pois ainda estava escuro e afinal não tinha escova nem graxa para iniciar o meu trabalho. Pedi-lhe alguns trocados e ele imediatamente deu-me algumas moedas para comprar graxa e escova. Rasguei uma calça velha da minha irmãzinha, escondido de mamãe, é claro, e, no outro dia, sob chuva, armei minha caixa de engraxar em frente de casa, fazia parte da instalação um guarda-chuva carcomido pelo tempo e uma velha cadeira.
Esperei o primeiro freguês e as horas foram passando. Eram trabalhadores que iam para seus trabalhos, apressados e com os sapatos cheios de barro, pois a rua em que morávamos não era asfaltada, ninguém parava, não respondiam ao meu bom-dia. Toda a manhã passou e mamãe chamou-me para ir à escola. Foi uma frustração total, mas esperaria outro dia... Foi a semana toda chovendo e eu armando e desarmando a caixa e ninguém parando para engraxar. Sábado amanheceu um dia maravilhoso e enchi-me de alegria e entusiasmo para engraxar meu primeiro para de sapatos. Nada... O Sol já estava se pondo e com ele toda a minha esperança, o coração foi ficando pequenininho, uma profunda tristeza invadiu minha alma... Estava derrotado, não consegui engraxar um único par de calçados. Entrei, coloquei minha caixa de engraxar ao lado do fogão e comecei a folhear um gibi, morrendo de vergonha de não conseguir engraxar absolutamente nada... Eis que batem palmas e minha mãe vai ao portão, um senhor perguntou sobre o menino engraxate e minha mãe chamou-me, e ele disse: Parabéns, garoto! Toda a semana montando e desmontando a caixa! Quantos sapatos você engraxou? Disse-lhe que não tinha engraxado nenhum. Abriu o porta-malas da Brasília e mostrou-me vinte e seis pares de sapatos para serem engraxados. Não me contive e deixei correr algumas lágrimas sobre o meu rosto, de felicidade, de alegria, de persistência. Até hoje me lembro com muita ternura dessa passagem da minha vida.

LIBERDADE

  Há tempos que venho sendo acordado pelo mavioso canto de um pássaro na velha jaqueira existente no quintal da casa onde eu moro. Acordava,...