quarta-feira, 17 de junho de 2020

O VENDEDOR DE PIRULITOS

Sempre que alguém da nossa família ficava gripado, mamãe imediatamente preparava um xarope de Guaco para aliviar nosso sofrimento.
         Num determinado dia minha irmãzinha ficou muito gripada e imediatamente mamãe correu para cozinha para começar a preparar o tal xarope. Adorava observar mamãe cozinhar, nem tanto para aprender e sim para dar umas “beliscadas” nas delicias que sempre ela fazia.
         Mamãe mexia aquele caldo com uma paciência de Buda e eu observando pedi para ela fazer um pirulito com aquele caldo. Imediatamente fiz um canudinho de papel em formato de cone e pedi para ela encher com o melaço,  coloquei um palito de madeira e passados alguns minutos o mesmo já estava pronto para ser chupado.
        Enquanto degustava o pirulito surgiu uma ideia sensacional: Pedi para mamãe fazer alguns pirulitos com o açúcar derretido pois eu iria vender e arrecadar um “dinheirinho” para comprar mistura.
      Mamãe sorriu candidamente e aceitou o convite, mas lembrou-me que eu tinha apenas nove anos e não poderia sair da frente de casa, pois havia algumas pessoas de má índole circulando pelo bairro onde morávamos e poderiam mexer comigo.
        De tanto insistir,  mamãe concordou em fazer os pirulitos, mas enfatizou que deveria ficar próximo de casa.
         Alegremente dirige-me a casa do Sr.Heitor, um senhor idoso que todos nós adorávamos e pedi para ele construir um tabuleiro para colocar os pirulitos. Sorriu amigavelmente,  pegou uma tábua,  uma furadeira e pôs-se a fazer o furos, após algum tempo o tabuleiro já estava pronto. Sr. Heitor colocou uma alça no tabuleiro e enroscou-o no meu pescoço, afagou minha cabeça e desejou-me muita boa sorte no meu novo empreendimento.
         Mensurar a Felicidade de um garoto de nove anos diante da possibilidade de tornar-se um novo milionário vendendo pirulitos era uma grande piada escondida na minha tola cabecinha. Coisa de criança!
        Cheguei em casa eufórico e pedi para mamãe começar a fazer os pirulitos e ela disse que só faria os mesmos a noite e que eu iria vendê-los somente no dia seguinte. Um tanto frustrado acatei mamãe e não via a hora de chegar o momento de preparar os pirulitos.
        A grande panela foi colocada no fogo, em seguida o açúcar e eu xeretando ao redor, até que ela pediu para eu ir fazendo os canudinhos e colocando-os no tabuleiro. Após dispor todos os canudinhos no tabuleiro,  mamãe colocou a calda,  esperou um pouquinho e colocamos os palitos. Pronto os cinquenta pirulitos já estavam prontos, era só aguardar outro dia e sair para vendê-los.
           Quando o  Sol apareceu , coloquei o tabuleiro no pescoço e sai sem fazer nenhum barulho e fiquei em frente de casa oferecendo os pirulitos para os trabalhadores.  Nem olhavam para minha cara,  estavam apressados e seis horas da manhã não era um horário apropriado para chupar pirulito.
           Lá pelas nove horas da manhã entrei em casa sem vender nenhum pirulito e pedi para mamãe se podia dar umas voltas pelo quarteirão e ela concordou, mas insistiu que deveria retornar logo.
           Batia palmas em algumas casas e oferecia os pirulitos, alguns compravam de dó da minha pessoa, outros balançavam a cabeça negativamente e nem me atendiam. De casa em casa consegui vender quase todos os pirulitos e voltei pra casa antes do meio dia com o espírito envolvido num manto de vitória. Tinha conseguido!
          Vendia os pirulitos de segunda-feira à sábado, às vezes sobrava alguns e eu e minhas irmãzinhas chupávamos. Com o lucro das vendas dos pirulitos ajudava mamãe comprar mistura, açúcar e sempre sobrava algum trocado para comprar a Caixinha da Sorte e alguns doces de abóbora que tanto amava.
         Passado algum tempo, mudei de atividade e fui ser Engraxate. Engraxate da Periferia.

FESTA JUNINA

  A missa de domingo terminava e o padre anunciava que iria começar os preparativos para a tradicional quermesse que acontecia no mês de Junho para homenagear os três santos: Santo Antônio, São João e São Pedro. Nós garotos ficávamos muito feliz, pois enquanto o padre pensava em arrecadar alguns trocados para a paróquia, nós poderíamos participar da festa em toda sua plenitude e se desse sorte até conhecer novas garotas.
     Éramos os primeiros a dar o nome para participar como voluntários na arrumação das barracas de guloseimas. Tudo era uma grande diversão e aproveitávamos nosso encontro para colocar nossas pífias conversas em dia e mais falávamos do que trabalhávamos e constantemente levávamos "um pito" ( uma advertência) do padre que pedia mais empenho, mais seriedade com relação ao serviço, pois o mesmo lembrava-nos quanto ao prazo estipulado para o início da quermesse.
      às vezes parávamos de executar um determinado tipo de serviço para conversar com alguma menina conhecida que passava em frente da igreja vindo da feira com a sacola cheia de frutas e verduras e novamente éramos presenteados com uma enérgica bronca do padre, sempre vigilante e presente, entre um beijinho no rosto da menina e um tchauzinho sempre de olho no rosto enfurecido do padre, voltávamos ao serviço, sempre sorridentes.
       No segundo final de semana do mês todas as barracas já estavam montadas e supervisionadas pelo padre que fazia questão de agradecer a todos e esquecendo nossas paqueras.
       O locutor oficial da quermesse era o meu amigo Israel que embora tivesse um gosto musical duvidoso e de muito mal gosto era muito querido e conhecido de todos. Nessa época eu trabalhava numa fábrica de cintos no bairro de Artur Alvim e cursava o primeiro ano do ginásio no Álvares de Azevedo em Itaquera, à noite.Todos os dias meu amigo Israel ia levar uma marmita no almoço que era preparada com muito esmero por mamãe. Dividia meu insignificante salário com o meu amigo Israel e mamãe e o que sobrava guardava para ir à quermesse nos finais de semana.
        No primeiro dia da quermesse eu fazia questão de ir com minha melhor roupa e nesse dia era um dia todo especial. Vestia minha calça boca de sino, que era o estilo da época, era uma calça azul escuro com listras brancas e cintura alta até o estômago, camisa de seda branca, mangas compridas, bem larga e que tinha custado quase um salário mensal. Lustrava os sapatos que tinha um salto enorme chamado de "carrapeta" e colocava um cinto fabricado por mim e tinha uma fivela enorme. Pronto, sentia-me um verdadeiro "toureiro", repartia os cabelos cumpridos ao meio, colocava um perfume comprado na lojinha da dona Matilde e saia erecto em direção a tão aguardada quermesse da igreja.
        Chegava na quermesse e era recebido com alguns assobios dos amigos Israel e Luisão, que eram irmãos, chamando-me de "lindo!, lindo!"Ficava envergonhado e meu rosto ficava mais vermelho do que já era, mas não importava-me e ia em direção a eles pedir para tocar uma música que eu gostava muito, chamada Rock rol lo lo by, cantada por B.J.Thomas, era sucesso na época e todos gostavam. Lá pelas oito da noite a quermesse já tinha pessoas suficiente para iniciar o tradicional bingo e sempre participávamos pagando um insignificante quantia em dinheiro e às vezes ganharmos alguns "bebelôs"de argila que eu trocava por bolinhos caipiras e quentões.Existia o "Correio Elegante" que era um bilhetinho que recebíamos de alguma paquerinha enaltecendo nosso trajar ou nossa obscura beleza de adolescente. Não só recebíamos como mandávamos também para as meninas mais belas da quermesse e nem sempre éramos correspondidos.Mas tudo era festa e nada do Mundo pagava o encanto daquele momento único e maravilhoso. E subitamente éramos interpelados por um grupo de meninas bonitas e falantes, agarrando-nos pelo braço e dizendo que estávamos presos. Lá estávamos dentro de uma cadeia feita de bambu que eu ajudara a construir e claro que  não apresentava resistência alguma diante de braços tão meigos e fazíamos questão de ficarmos presos e com um olhar de piedade pedir para as meninas libertar-nos que elas ganhariam um beijo. às vezes éramos atendidos, mas às vezes ficávamos vários minutos no cárcere,humilde e escutando a voz rouca do amigo Israel no alto-falante pedindo que alguém tivesse piedade e fosse soltar-nos. Aquilo doía na alma e assim que saia da prisão ia até o meu amigo pedir explicações e ele sorria largamente e oferecia-me outra música, dessa vez..Roberto Carlos. Anunciava os bolinhos caipiras, os quentões, a maçã do Amor, a barraca da linguiça e outras e convocavam-nos para assistir a apresentação da quadrilha que era composta de várias crianças do bairro, trajando como caipirinhas. Era divertidíssimo e muito engraçado.às 23 horas anunciava-se o final da quermesse e todos iam retirando-se  e nós ficávamos para ajudar as senhoras a recolher panelas, fogões e outros utensílios.Desligava-se o som, fechava-se as portas do salão paroquial e era hora e voltar para casa, transpirando muita felicidade e alegria e aguardar o próximo final de semana para participar da quermesse da Igreja da Cidade A.E.Carvalho.
        

LIBERDADE

  Há tempos que venho sendo acordado pelo mavioso canto de um pássaro na velha jaqueira existente no quintal da casa onde eu moro. Acordava,...