Em 1.971 trabalhava como office-boy
numa companhia de seguros na Praça Padre Manoel da Nóbrega, perto da Praça da
Sé, no centro de São Paulo. Na hora do almoço, após saborear a excelente
refeição preparada com muito esmero por Dona Maria, que era a cozinheira da
Cia. onde eu trabalhava, nós office-boys descíamos do vigésimo primeiro andar
para dar umas voltas e apreciar o que existia de melhor naquela época: “A
beleza da mulher paulistana".
Ficávamos sentados num banco existente no pátio do Colégio apreciando
todas as meninas que passavam apressadas, vindo não sei de onde e indo para um
lugar ignorado por nós, talvez algum banco, loja. Num determinado dia o Artur
levou uma bola de futebol carcomida e propôs fazermos uma "pelada" no
Pátio do Colégio, inicialmente ficamos um tanto apreensivos, eu os colegas
achávamos que poderíamos ser presos, mas aceitamos e dividimo-nos em dois grupos
e começamos a dar os primeiros chutes na velha bola de futebol.
Com o passar dos dias, a
"pelada" foi chamando atenção de outros office-boys que passavam
apressadamente pelo pátio e pediam para participar, nem que fosse só um
pouquinho e todos eram aceitos, a única restrição que fazíamos era que tinha
que ser office-boy. Após algumas semanas surrando a bola, sempre no horário do
almoço, nossa "pelada" já era conhecida por alguns transeuntes e uma
pequena e ruidosa torcida composta de camelôs, engraxates, mendigos e alguns
vagabundos que perambulavam pela redondeza que paravam para observar aquele
bando de moleques sem juízo correndo em pleno centro da maior cidade da América
Latina.
Dois garotos tiravam "par ou
ímpar" e começavam a escolher os "craques" que iriam compor o
time, geralmente os garotos com porte físico avantajado tinham a preferência e
rapidamente eram os primeiros a serem escolhidos, ficando os
"miudinhos" e raquíticos para serem escolhidos no final ou aceitavam
o ingrato convite para ser gandula.
O jogo de futebol era muito divertido,
pois tudo era improvisado, desde as traves que poderia ser dois pedaços de
pedras subtraídas da construção do metrô da Praça da Sé, que estava sendo construído
ou uma maleta 007 de algum office-boy ou mesmo um saco de roupas sujas de
qualquer mendigo torcedor.
Inicialmente não existia juiz, mas com
o passar dos dias e aumentando o número de jogadores, aceitamos a sugestão de
alguns torcedores e resolvemos "escalar" um juiz. O mais difícil era
convencer um garoto office-boy a aceitar ser juiz. Cargo tão decisivo e
perigoso, visto que qualquer desentendimento era fácil observar o juiz levando
alguns cascudos, pegar sua maleta 007 e sair xingando a todos e ir embora;
outro dia voltava, mas não aceitava ser juiz de jeito algum.
Em toda partida de futebol, escolhe-se
o melhor jogador em campo, na nossa "pelada" os torcedores escolhiam
o pior jogador do Pátio e era dificílimo a escolha, pois um era pior que o
outro, éramos verdadeiros "pernas de pau", mas sempre existia o piorzinho
de todos e não me envergonho de ter sido escolhido algumas vezes, poucas vezes,
mas... “Esse garoto que era escolhido “o pior” era zombado em plena rua aos
gritos por outros office-boys e mesmo dentro de algum banco da Rua XV de
Novembro, enquanto aguardava pacientemente na quilométrica fila podia ouvir-se”
E aí pior!”“. Quando tinha sido escolhido, nem ligava, fazia de conta que não
era comigo, mas que dava um "odiozinho" dava.
Aconteceu uma partida inesquecível em
que participaram quarenta e quatro office-boys, vinte e dois de cada lado, acho
que todos os office-boys dos escritórios da redondeza estavam lá naquele dia,
tinha mais jogadores que torcedores no Pátio, infelizmente neste dia a partida
foi interrompida por policiais de trânsito, que vendo aquele bando de garotos
atrás de uma bola resolveram parar para observar o que estava acontecendo.
Paralisaram nossa partida de futebol e tentamos explicar que era apenas uma
"pelada", que não estávamos prejudicando ninguém, a não ser algumas
boladas que alguns transeuntes levavam, é claro, que a gente era trabalhador
(office-boys), etc., etc. Não houve jeito, confiscaram nossa bola e pediram
delicadamente para que voltássemos para nossos escritórios.
Mas a gente não se preocupava, pois
no outro dia outro colega trazia outra bola e lá estávamos nós correndo pra lá
e pra cá novamente, mas sempre de olho nos policiais de trânsito.
Estava chegando o final do ano e
resolvemos promover um mini campeonato entre nós office-boys dos escritórios da
região e decidimos que o mesmo seria realizado em pleno Pátio do Colégio e
somente office-boys poderiam participar. Ficou estabelecido entre nós que o
campeão ganharia um troféu, uma quantia em dinheiro e seria necessário os times
ter camisetas próprias com o nome do escritório. Quando o campeonato começou
era muito lindo ver a molecada abandonada dentro de lindas camisetas ostentando
o nome do escritório, soubemos mais tarde que até alguns supervisores e
gerentes de escritórios patrocinaram algumas camisetas, mas pediam para não
serem identificados, pois poderiam ser demitidos pela ilegalidade do campeonato
e pelo local ser um espaço público.
Faltando alguns dias para o dia do
Natal já estava definido os dois times finalistas, os jogos aconteceram em duas
semanas, após várias partidas acirradas, no estilo "perdeu, cai
fora", o tradicional "mata-mata". Os dois times finalistas eram o nosso e de um
outro escritório pertencente a um banco da Rua Boa Vista.
Golaço, mandando a bola na Rua
General Carneiro, quase acertando a cabeça de um camelô. No segundo tempo
novamente o Artur nos presenteou com outro gol maravilhoso. Resultado final,
ganhamos a partida por 2x0. Éramos Campeão! Abraços misturavam-se com gritos
de: É Campeão!
Atravessamos a Rua XV de Novembro
aos gritos de "É Campeão!" e fomos comemorar nossa vitória comendo
sanduíches de linguiça calabresa com guaraná na Rua do Tesouro.
Lá estava nosso troféu em cima do
balcão de vidro e a cada mordida em que eu dava no meu sanduíche, olhava para o
troféu com um orgulho danado em ter sido Campeão. Campeão da "pelada"
do Pátio do Colégio.
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