quinta-feira, 24 de setembro de 2020

O CIRCO DA PERIFERIA

 

       

O que poderia existir de mais belo que a chegada de um circo na periferia da cidade de São Paulo na década de 70? Absolutamente nada era mais belo e emocionante para nós adolescentes moradores no querido bairro Cidade A.E.Carvalho, zona leste da cidade de São Paulo.

     Quando aquelas carretas enormes e multicoloridas passavam na Avenida Campanelas e estacionavam em frente à Praça Ana das Dores, "a pracinha", nossos corações disparavam de alegria e os corações de nossas mães disparavam de aflição, pois, sabiam que seria quase que impossível segurar seus filhos em casa.

     A molecada chegava sorrateiramente, perscrutando o local e os trabalhadores braçais com perguntas tolas, tais como: como é o nome do circo? Quando irá estrear? Tem bichos? Qual é o nome do palhaço?

     Os trabalhadores bem mal-humorados e suando muito se restringiam a dar respostas curtas, sempre tirando enormes tábuas dos caminhões, empurrando ferros, esticando lonas, sem parar e sem olhar para cara de ninguém. Nós “xeretando” aqui e ali e lá estavam os artistas dentro de um enorme “trailer” lanchando tranquilamente e rindo alto, denunciando que estavam muito felizes. Os dias iam passando e o circo ia sendo montado, dia e noite de trabalho e após dois ou três dias o mesmo já estava montado. Lindo, majestoso, imponente! Mudando toda a paisagem da pracinha.

     Eis que chega o grande dia da estreia e nota-se uma enorme placa com os dizeres: Grande Estreia! domingo às 15 h o circo Cigano convida você e sua família para assistir o maior espetáculo da Terra! Acontecia duas sessões, às 15 h e às 20 h e sempre íamos nas duas sessões, sendo que na segunda sempre levávamos nossas namoradinhas.

     Alguns alto-falantes eram esparramados pelo lado externo do circo e tocavam várias músicas orquestradas, Carlos Gonzaga com uma música chamada Diana e várias músicas de Roberto Carlos.                       Entre pipoqueiros, vendedores de algodão-doce esparramava-se nossa Felicidade.

     Segurando a mão da minha namoradinha comprava os ingressos e um enorme saco de pipocas e entrávamos vagarosamente, prestando atenção em tudo e em todos. Sentávamos na arquibancada feita de madeiras, bem lá no alto e ficávamos aguardando ansiosamente o início do espetáculo.

     Várias crianças corriam para lá e para cá e várias gargalhadas eram ouvidas dentro do camarim. Repentinamente a música cessava, abriam-se as cortinas e entrava o apresentador trajando um "flaker" preto e com uma voz rouca anunciava-se o início do espetáculo, sempre agradecendo nossa presença.

     O apresentador saia do palco, anunciando dois palhaços que entravam dando piruetas e muito tapas, caiam e levantavam-se constantemente, levando o público ao delírio de tanto rir.

     Aplausos e mais aplausos misturavam-se com gargalhadas e alguns assobios. Nossos corações ficavam disparados quando as trapezistas começavam a subir uma escada feita de corda, o silêncio era total até que elas se posicionavam lá no topo e começavam-se a balançar sem parar até que uma delas lançava-se no ar indo segurar a mão da outra. Sentia as mãos da minha namoradinha toda trêmula e suadas, encostávamos nossos corpos em sinal de apreensão e medo, batíamos palmas nervosamente e ficávamos aliviados quando tudo terminava. E novamente lá estavam os palhaços estapeando-se e risos, e gargalhadas ecoavam ao longo do circo. O espetáculo não durava mais que duas horas, mas para nós parecia que eram apenas alguns minutos. Ficávamos muito tristes quando os artistas despediam-se se curvando elegantemente para agradecer sob muitos aplausos e assobios.

     Fechavam-se as cortinas e nossos corações ficavam pequenininhos, era hora de voltar para casa comentando as principais atrações e combinando voltar no próximo final de semana para assistir o maior espetáculo da Terra. O circo, o circo da Periferia.

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