Há tempos que venho sendo acordado pelo mavioso canto de um pássaro na velha jaqueira existente no quintal da casa onde eu moro. Acordava, abria os olhos e ainda deitado ficava ouvindo atenciosamente o lindo canto do pássaro e minha mente viajava pelos caminhos por mim percorridos.
A primeira vez em que ouvi o canto do pássaro lembrei quando eu ainda era menino e adorava embrenhar pelas matas existente no distante bairro chamado Ponte Rasa, periferia da cidade de São Paulo em busca de alguma abóbora, chuchu, mandioca e algum cacho de banana para poder levar para minha mãe preparar e servir no nosso singelo almoço.
Todos os dias o senhor Heitor, um velhinho de uma cultura invejável e de uma sapiência inefável passava em casa para tomar um cafezinho conosco preparado por mamãe em um fogão à lenha que ficava no quintal do pequeno sítio onde nós morávamos.
Senhor Heitor era de uma simplicidade invejável, muito educado, falava pausadamente e em um tom de voz que às vezes dava sono, mas mantinha-me atento a cada palavra proferida pelo nosso querido amigo.
Após tomarmos o café eu convidava o senhor Heitor para irmos até a pequena floresta urbana em busca de alguns alimentos para complementar nossa alimentação diária.
A minha alegria em estar ao lado do senhor Heitor que conhecia muito sobre exploração de florestas, pois tinha sido militar, era imensurável e assim eu corria até o armário e pegava uma velha bolsa de lona, colocava no ombro e dizia todo sorridente e com o coração acelerado de emoção: Pronto senhor Heitor estou preparado para explorarmos a floresta, podemos ir?
Senhor Heitor passava a mão na minha cabeça, sorria angelicamente, despedia de todos da minha família e seguíamos para nossa aventura dentro da mata.
Durante o percurso até a mata o senhor Heitor ia me instruindo como eu deveria me comportar dentro da mata. Tomar cuidado com cobras, andar sempre perto dele, não retirar e nem cortar nenhuma planta e não comer nada sem a sua prévia autorização.
Assim que entrávamos na mata ouvíamos vários pássaros cantando e o senhor Heitor pedia que eu permanecesse em silêncio para podermos apreciar aquele sublime momento. Sentávamos em algum tronco de árvore caído e lá permanecíamos eternos minutos escutando a sinfonia maviosa dos lindos pássaros existentes naquele pequeno paraíso.
Às vezes eu me atrevia a fazer alguma pergunta para o senhor Heitor sobre o canto de algum pássaro e ele pausadamente e com a voz baixa explicava sobre o tal pássaro com a sapiência de um ornitólogo.
O caminhar pela mata com a prudência de um velho índio deixava-me perplexo e eis que o senhor Heitor apontava para alguns galhos cobertos por matos, mexia cuidadosamente e lá estava repousando uma enorme abóbora prestes a ser colhida. Tirava o facão da bainha e cortava cuidadosamente o ramo que prendia a abóbora e colocava na minha sacola de lona e seguíamos mata adentro.
Um enorme pássaro pousou numa frondosa árvore e pôs se a cantar alegremente e minha mente questionava aquele maravilhoso momento e eu ficava pensando:
Poxa, eu bem que gostaria de ser um pássaro e ter esta liberdade, não precisar acordar todos os dias bem cedo para ir para escola, não precisar sentar-se à mesa e seguir todos os protocolos de uma família que prezava todas as boas condutas, não iria nunca mais tomar aquele fortificante horrível chamado Emulsão Scoth e nunca mais iria levar surras com varas de marmelo. Pensava, pensava e questionava minha mente: Mas se eu fosse um pássaro teria que acordar todos os dias bem cedinho para cantar naquela mata, bom, seria melhor continuar a ser um ser humano mesmo, apenas um moleque sonhador, afinal, eu odiava acordar cedo.
- Acorda Luiz, para de sonhar e vamos caminhando em busca de mais alimentos para nossa família, dizia calmamente o senhor Heitor.
- Mas, eu já estou cansado, necessito de descansar mais um pouco, posso senhor Heitor?
- Sim, podemos descansar mais um pouco, mas somente mais alguns minutos, tudo bem?
Balançava a cabeça afirmativamente e sorria para agradecer a paciência do querido amigo de papai que me ensinava as primeiras lições de sobrevivência na selva.
O tempo ia passando e nós nos embrenhando na mata e eis que em um determinado momento o senhor Heitor colocou a mão no bolso e tirou um pequeno objeto e eu perguntei o que era aquilo. Disse que aquilo era uma bússola e tentou dar algumas explicações que eu nada entendi e após algumas horas dentro da mata e ter extraído uma abóbora, alguns chuchus saíamos do outro lado da mata em uma rua sem asfalto.
Chegávamos exaustos na minha casa e eu entregava tudo aquilo que colhíamos para minha mãe e ela perguntava. Mas foi você mesmo que colheu tudo isto? Olhava um pouco envergonhado para o senhor Heitor que balançava a cabeça afirmativamente e com um sorriso no rosto eu dizia: Sim, foi eu mesmo que consegui tudo isto pra nós.
Mamãe convidava o senhor Heitor para almoçar e enquanto ela preparava o almoço ficávamos escutando lindas histórias do nosso querido amigo ao lado do fogão à lenha.